Barragem do Alqueva: desejada pela população e contestada pelas ONGAS

A barragem do Alqueva, associada a um sistema de infraestruturas de rega de mais de 110.000 hectares, é gerida pela empresa de capitais públicos Empresa de Desenvolvimento e Infraestruturas do Alqueva S.A - EDIA, criada em 1995, com objetivo principal de viabilizar o Empreendimento de Fins Múltiplos do Alqueva-EFMA. O EFMA situa-se na parte portuguesa da Bacia Hidrográfica do Rio Guadiana, uma das bacias compartilhadas da Península Ibérica (VEIGA et al., 2006, 2007).

 

A intenção de construir uma barragem no rio Guadiana remonta aos anos de 1960. A principal justificação para este empreendimento seria a necessidade imperiosa de abastecimento de água para regadio, mas pretendia-se que servisse também para a produção de eletricidade e que criasse uma reserva de água para o caso de seca, além de alimentar as bacias fluviais do rio Sado (CASTRO E RUSALEN, 2012).

 

Assim, o reservatório do Alqueva, localizado na região central e alta do Alentejo, em funcionamento desde 2002, figura no ideário da população alentejana e do governo central desde a primeira metade do século passado. Durante a sua longa trajetória, este projeto foi criando um imaginário no qual o desenvolvimento económico da região (uma das mais pobres do país) estaria amplamente dependente da sua construção (MELO E JANEIRO, 2005). Num dos mais demorados percursos sociotécnicos, a barragem mobilizou atores e conhecimentos de diferentes áreas e perspectivas, revelando uma decisão técnica híbrida, à medida que envolveu aspectos sociais, ambientais, económicos e políticos (BENTO, 2006).

 

No decorrer deste processo, o ano de 1995 marca o momento em que o Estado português tomou a decisão de construir e implementar o EFMA, num período demarcado por grande escassez de água e de recursos na região, com alto índice de desemprego e de fome em algumas zonas. A população e as autoridades locais reclamavam pela demora da construção da barragem de Alqueva, cujo relançamento havia ocorrido em 1993. Constituída a EDIA, negocia-se em 1995 com a Comunidade Europeia-CE os financiamentos necessários a Alqueva, enquanto que o Estudo Integrado de Impacte Ambiental-EIIA é aprovado pelo Ministério do Ambiente–MA, em agosto do mesmo ano.

 

O período de discussão pública deste estudo envolveu agricultores, partidos, Organizações não Governamentais de Ambiente-ONGA, entre outras entidades e individualidades, grande parte delas assumindo a reserva de água como indispensável. Foi no mesmo sentido que houve unanimidade por parte dos partidos políticos. Foram maioritariamente as ONGA portuguesas, das quais as mais envolvidas foram a Associação Nacional de Conservação da Natureza-Quercus, a Liga para a Proteção da Natureza-LPN, o Grupo de Estudos de Ordenamento do Território e Ambiente-GEOTA e o Centro de Estudos da Avifauna Ibérica-CEAI e movimentos espanhóis da Estremadura e Andaluzia, que estabeleceram oposição ao projeto. Ao longo de décadas, organizações e personalidades criticaram o gigantismo, a falta de perspectiva sustentável, os impactes ambientais excessivos a vários níveis, a má relação custo-eficácia, a ausência de viabilidade económica, o incumprimento da Diretiva-Quadro da Água e a infração de normas ambientais durante as obras (PINTO, 2003; BENTO, 2006).

 

Neste sentido, o conflito associado ao Alqueva desenrola-se não devido à questão de localização das infraestruturas ou por contestação local, mas focado em questões e atores de áreas predominantemente técnicas que contestam a sua existência (PINTO, 2003).

 

Os números dão conta da dimensão do projeto que veio a ser denominado, por muitos, como megalômano e ineficiente (SOROMENHO-MARQUES, 2005). A barragem é a maior da Península Ibérica, dela origina um lago artificial com uma área de 250 km2 e um regolfo com 83 km de comprimento no vale do Guadiana. O paredão tem 96 m de altura e o nível de pleno armazenamento, à cota 152 m, permite armazenar um volume de 4150 hm3 (3.120 hm3 de capacidade útil). A barragem de Alqueva está equipada com uma central hidroelétrica de 240 MW (MELO, 2002, 2009).

 

No ano de 2013, a LPN pediu esclarecimentos sobre o abate ilegal de 10 mil árvores protegidas junto à albufeira do Alqueva, exigindo que fossem tomadas medidas contra os envolvidos. Num comunicado de imprensa, a LPN referiu que o abate fora ilegal e que o contrato de execução teria sido adjudicado sem concurso e autorização. Os esclarecimentos foram pedidos à EDIA, ao Instituto de Conservação da Natureza e Florestas–ICNF e à Agência Portuguesa de Ambiente-APA. Para a LPN, a EDIA vem, há vários anos, concretizando as piores expectativas da avaliação inicial feita pela associação sobre todo o projeto do Alqueva, tendo realizado vários procedimentos de desmatamentos e desflorestamentos sem cuidados ambientais, descumprindo a legislação ambiental e diretivas europeias em vigor, e ameaçando espécies protegidas. A LPN referiu também falhas nos compromissos de monitorização de impactos nos caudais ecológicos e no seu possível reajustamento, no impacto da barragem nas espécies piscícolas autóctones e sua fragmentação de habitats, até a própria contaminação genética, fruto do transvase do rio Guadiana para o rio Sado (LPN, 2013).

 

Mais recentemente, a plantação pela empresa Monsanto, multinacional do setor de sementes transgénicas, de culturas transgénicas na região do "novo Alentejo agrícola" reveste contornos de uma problemática ambiental associada ao regadio do Alqueva. Em 2012, o cultivo de milho geneticamente modificado alcançou em Portugal 9.278 hectares, um aumento de 20% relativamente ao ano anterior, concentrando-se em sua esmagadora maioria na região do Alentejo (JORNAL DE INFORMAÇÃO CRÍTICA, 2013).

 

A barragem de Alqueva submergiu a velha aldeia da Luz, sendo posteriormente construída uma nova povoação. Os cerca de 360 habitantes, previamente ouvidos sobre o local onde se erigiu a nova aldeia, foram ocupando as novas casas, numa aldeia construída por forma a reproduzir simbólica, material e imaterialmente, a aldeia submersa. No entanto, a readaptação ao novo espaço envolvente, bem como a manutenção ou perda de uma identidade coletiva dos habitantes da Luz, reveste-se de grande impacto, já que a medida foi imposta pelo Estado, apesar da população da região ser favorável à construção da estrutura (ANTUNES et al, 2004).

 

Uma análise posterior à implementação de Alqueva mostra que a implementação deste projeto causou impactos ecológicos e sociais em decorrência das inundações: perda de património natural e cultural no vale do Guadiana, corte de corredores ecológicos, pressão sobre espécies ameaçadas de extinção, como o lince ibérico, e o reassentamento de centenas de famílias. Como aspectos positivos são apontados a criação de alguma capacidade de gestão da água do lado português do Guadiana e algum desenvolvimento local numa região tradicionalmente deprimida. Esta conjunção entre problemas e oportunidades gerou grande quantidade de informações e procedimentos de avaliação incomuns, incluindo uma comissão de observação e estudos ambientais a nível estratégico. A comissão conseguiu travar alguns dos piores impactos do projeto, mas a sua atuação teve pouca influência sobre as decisões-chave. Muitas das medidas de mitigação aprovadas não foram postas em prática (MELO E JANEIRO, 2005).

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

ANTUNES, Manuel de A.; DUARTE, Lucinda C.; REINO, João P. Barragens em PT: de Vilarinho da Furna à aldeia da Luz, com passagem pelo Douro Internacional. Comunicação IV Congresso Ibérico sobre Gestão e Planificação da Água, Tortosa, Espanha, 8-12 dez. 2004.

 

BENTO, Sofia. La dificile existence du barrage d'Alqueva: une ethnographie des demonstrations sociotechniques. Humanities and Social Sciences. Ecole Nationale Superieure des Mines de Paris, 2006.

 

CASTRO, Joana; RUSALEN, Sara. Barrages: éléments déclencheurs des "guerres de l’eau". 3GEO-OC M., Torri, nov. 2012.

 

JORNAL DE INFORMAÇÃO CRÍTICA. A Monsanto à conquista de Alqueva, 18 jun. 2013.

 

LPN. Alqueva: da incompetência à legalidade. Liga para a Proteção da Natureza-LPN, Lisboa, 6 nov. 2013.

 

MELO, João Joanaz de. O porquê e para quê do projeto Alqueva, jun. 2002.

 

MELO, João Joanaz de. Alqueva: alegrias e frustrações da mais emblemática obra pública portuguesa do séc. XIX, 2009.

 

MELO, João Joanaz de; JANEIRO, Carla. Alqueva dam irrigation project: hard lessons learned from good and bad assessment practice. Atas da International Association for Impact Assessment annual meeting. Cambridge, Massachussets, EUA, 31 mai. A 3 jun. 2005.

 

PINTO, Bárbara Cristina Lopes Morais da Cruz Tita Gomes, Participação, informação e comunicação nos processos de decisão pública. O caso de Alqueva. Dissertação de Mestrado em Gestão e Políticas Ambientais da Universidade Nova de Lisboa, 2003.

 

SOROMENHO-MARQUES, Viriato. Raízes do ambientalismo em Portugal. Metamorfoses. Entre o colapso e o desenvolvimento sustentável, Publicações Europa-América, 2005, p.127-144.

 

VEIGA, Bruno Gonzaga Agapito; DUARTE, Laura Maria Goulart; VASCONCELOS, Lia Maldonado Teles de. A barragem de Alqueva para quem? Por uma contextualização pluridimensional do desenvolvimento no Alentejo, Encontro Nacional da Associação Nacional de Pesquisa e Pós -Graduação em Ambiente e Sociedade. ENANPPAS, jun. 2006.

 

VEIGA, Bruno Gonzaga Agapito da; DUARTE, Laura Maria Goulart; VASCONCELOS, Lia Maldonado Teles de. Socio-environmental issues of the conflict on the Alqueva dam and the public policies of the water in Portugal. In: Reservoir and River Basin Management, SOBRAL M.; GUNKEL, G. (eds.) Reservoir and River Basin Management Technical University of Berlin, p. 139-148, 2007.

 

30 de junho de 2016

 

Bibliografia
Vídeos
Mapa
Associações/Movimentos
Fotos
Instituições/Empresas

INFORMAÇÕES GERAIS

 

Duração: 1995 - 2002

Região: Alentejo

Distrito: Beja

Localização: Moura

Grau de intensidade: 3/5

GPS: 38.197685, -7.496378

 

RESUMO

No final da década de 1950, o governo português dava início a um plano de revitalização económica da região do Alentejo baseado na promessa de solução dos problemas da seca e da pobreza na região. O plano incluía a construção de várias barragens (cerca de seis barragens seriam edificadas antes de 1974). A barragem do Alqueva ganha relevo apenas a partir de 1970. O projeto da barragem do Alqueva foi controverso e dividiu opiniões. Depois de diversos adiamentos e com o apoio da população e dos partidos políticos, mas sob forte oposição de movimentos ambientalistas, o Alqueva foi operacionalizado em 2002 causando graves impactos socioambientais.

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