Luta contra aterro sanitário em Taveiro

A freguesia de Taveiro, no distrito de Coimbra, abrigou durante 16 anos uma lixeira a céu aberto. No início de 1994, o município de Coimbra decidiu encerrar esta lixeira oferecendo à Empresa de Resíduos Sólidos do Centro-ERSUC os terrenos necessários para a construção de um aterro sanitário naquela localidade. Estes terrenos localizam-se entre Taveiro e Cegonheiras. No mesmo ano, o município aprovou o projeto de construção entregue pela ERSUC.

 

O contrato de cedência do terreno entre a Câmara Municipal de Coimbra e a ERSUC foi assinado a 12 de maio de 1999, onde a autarquia recebeu o equivalente a noventa mil euros, tendo a ERSUC assumido o compromisso de restituir o terreno no primeiro mês de 2011 (ALVES, 2011).

 

A Câmara Municipal de Coimbra decidiu que Taveiro seria a localidade a receber um aterro multimunicipal que serviria 36 municípios. A população local contestou tal decisão, através da Junta de Freguesia e organizada num movimento cívico, alegando a sua ilegitimidade devido à ausência da participação popular.

 

Em 20 de setembro de 1995, a Junta e Assembleia de Freguesia de Taveiro comunicaram à população que não obtiveram resultados nas suas tentativas junto à Câmara Municipal de Coimbra, de mudar a localização do futuro aterro sanitário. Os argumentos dos representantes da Câmara Municipal centraram-se na necessidade de aproveitar o financiamento comunitário destinado à construção de aterros sanitários, deslegitimando as manifestações e argumentos populares, tratados como "questões de menor importância" (QUARESMA, 1996). O ano de 1996 foi o ano em que os protestos contra a construção do aterro em Taveiro chegaram ao seu ápice. Em maio, os moradores de Taveiro, Cegonheiras e Anobra realizaram um corte "simbólico" da ponte de Santa Clara, impedindo o acesso dos camiões ao futuro aterro sanitário e o depósito de lixo na lixeira em utilização. Esta ação obrigou a autarquia a suspender a recolha do lixo, que se amontoou dentro (e fora) dos contentores. O bloqueio impediu também que os resíduos da Queima das Fitas – cerca de 4 toneladas – fossem depositados na antiga lixeira. Realizou-se uma reunião com o Governo Civil em que foi feito um apelo ao consenso entre as diversas partes do processo. Houve a proposta e concretização da criação de uma comissão de acompanhamento e de fiscalização das empreitadas. No dia 11 de maio, a intervenção de uma força especial da Guarda Nacional Republicana-GNR, com mais ou menos uma centena de homens dispersou, em 2 minutos, a população que se encontrava há vários dias no local, organizada em piquetes, impedindo o acesso à lixeira (ALVES, 2014). O movimento de protesto teve como um dos focos principais a falta de diálogo e de transparência na escolha da localização do aterro sanitário. Os habitantes afirmavam a ausência de espaços de diálogo e de negociação e a falta de prestação de informações aos cidadãos. Houve necessidade de mover processos ao município para poder ter acesso ao projeto de construção do aterro e a documentos de caráter público, que não estavam a ser disponibilizados para consulta.

 

A comissão local, em articulação com uma Comissão Representativa de Cidadãos Envolvidos na Defesa do Ambiente formada por associações locais, defendia: a definição de um plano de recuperação das lixeiras; a suspensão da veiculação da informação - realizada pelo governo - de que os aterros sanitários seriam totalmente inócuos; que o governo criasse um plano de garantias (quanto a riscos ambientais e à saúde pública) para as entidades que iriam explorar estas estruturas e, que se elaborasse uma política global centrada na redução, reutilização e reciclagem de resíduos (NUNES et al., 2004).

 

As reações e reivindicações da população evidenciam que o governo definiu o problema baseado num modelo de risco, associado à avaliação técnica do risco e à prevenção, excluindo não especialistas e modos de conhecimento e de experiência "não-científicos". Por sua vez, os cidadãos e as organizações e movimentos buscaram estabelecer ligações entre problemas ambientais e de saúde de forma a promover a intervenção pública incorporando as experiências e conhecimentos da comunidade sobre o ambiente e a saúde (NUNES et al., 2003).

 

Neste sentido, Taveiro representa um claro exemplo de como o governo tratou a tomada de decisões quanto à gestão dos resíduos no país, tratando-o como um processo de negociação exclusivo entre o Governo central e a autarquia local, excluindo os cidadãos do debate e da decisão. Ao mesmo tempo, ilustra a articulação cidadã no desenvolvimento da ação coletiva e de alianças que questionaram a forma como o processo de decisão pública vinha sendo realizado, exigindo maior transparência, abertura e resposta por parte do governo e da autarquia local (NUNES et al., 2004, 2009).

 

No fim de 2010, a empresa ERSUC pediu o prolongamento de mais um ano de exploração do contrato de utilização do Aterro Sanitário Municipal de Taveiro, que teria de entregar antes do dia 24 de janeiro de 2011. Este pedido foi justificado pelo atraso na construção da Estação de Tratamento Mecânico-Biológico, em Vil de Matos, que, segundo a empresa, só iria entrar em período de teste no verão de 2011. Com a expiração do contrato o aterro passou a ser um bem municipal e como tal, a sua entrega deve pressupor o seu adequado encerramento e recuperação de acordo com a legislação em vigor (ALVES, 2011).

 

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

ALVES, António. ERSUC entrega proposta para o aterro de Taveiro. Diário As Beiras, 12 jan. 2011.

 

ALVES, António. Aterro de Taveiro alvo de fortes protestos - 1996. Diário As Beiras, 15 mar. 2014.

 

NUNES, João, A.; MATIAS, Marisa; COSTA, Susana. Household waste management and public accountability in Portugal: the case of the Taveiro landfill, Waste Management Case Study (PORTUGAL), Public Accountability Research Project (HPSE-CT2001-00076), 2003.

 

NUNES, João A.; MATIAS, Marisa; COSTA, Susana. Risco, incerteza e conflitos ambientais em Portugal. V Congresso Português de Sociologia. Universidade do Minho, 2004.

 

NUNES, João Arriscado et al. Da regulação à prática: Processos de "public accountability" em Portugal. Atas dos ateliers do Vº Congresso Português de Sociologia, Sociedades Contemporâneas: Reflexividade e Acção Atelier: Cidadania e Políticas, 2009.

 

QUARESMA, Pedro. Taveiro, Coimbra. Lixeira + Aterro? Não Nos Lixem! 23 nov. 1996.

 

30 de junho de 2016

Bibliogafia
Mapa
Associações/Movimentos
Fotos

INFORMAÇÕES GERAIS

 

Duração: 1996 - 1997

Região: Centro

Distrito: Coimbra

Localização: Taveiro

Grau de intensidade: 4/5

GPS: 40.1945, -8.5059

 

Instituições/Empresas

RESUMO

Mesmo perante a intensa mobilização popular e protestos contra a construção do Aterro Sanitário Municipal de Taveiro, localizado no distrito de Coimbra, por decisão unilateral dos agentes governamentais, a obra foi concluída. As reservas da população quanto aos impactos deste no ambiente e saúde pública não foram consideradas.

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Portugal: Ambiente em Movimento

Um projeto de cooperação entre Oficina de Ecologia e Sociedade (CES/UC), CETEM (MCTIC/Brasil) e SOCIUS-CSG (UL)

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