Portugal, o deserto verde da Europa?
Foi em Portugal que se usou, e pela primeira vez no mundo, eucalipto para fazer pasta de papel. Este processo iniciou-se em 1957 pelo grupo Portucel-Soporcel na fábrica de Cacia, em Aveiro (GRUPO PORTUCEL SOPORCEL, 2013). Mais tarde, nos anos 80, o movimento ambientalista ganhou força no país, e foi nesta época que surgiram o Partido Ecologista Os Verdes-PEV (1982) e a Associação Nacional pela Conservação da Natureza-Quercus (1985), que lideraram a luta contra a eucaliptização do território.
As primeiras expressões desta luta foram protagonizadas por camponeses e aldeões de diversas localidades de norte a sul do país, que, articuladas com as associações ambientalistas portuguesas, conseguiram reverter projetos pontuais. Ainda assim, a expansão da monocultura de eucalipto continuou e atualmente compõe cerca de 25% da floresta portuguesa que por sua vez corresponde a cerca de 9% do território nacional (DIÁRIO DA LIBERDADE, 2014).
Em 1986, a Portucel foi impedida de plantar eucaliptos no município de Montemor-o-Novo, Alentejo, devido a uma ação judicial que evidenciava os impactes negativos nas terras para uso agrícola, levada a cabo pelas organizações envolvidas na campanha nacional contra a expansão do eucalipto iniciada naquele ano: os Amigos da Terra, o Núcleo de Ação Cultural de Valongo, o Grupo Ecológico da Associação Académica de Coimbra, o PEV e a Quercus (BAPTISTA, 2012).
O ano de 1989 foi marcado por fortes contestações contra a eucaliptização das terras agrícolas portuguesas. Na serra da Aboboreira (concelhos de Amarante, Baião e Marco de Canaveses) - onde a Soporcel planeava tomar os terrenos de atividade pastorícia para plantar eucaliptos -, ecologistas e a população local uniram-se para resistir a este projeto: acorrentaram-se às máquinas que trabalhavam no terreno para a plantação de eucaliptos e mobilizaram centenas de cabeças de gado para impedir o seu completo funcionamento. Este caso foi amplamente mediatizado, fazendo com que a empresa responsável pelo projeto recuasse na sua decisão.
Em Valpaços, Vila Real, cerca de 3.000 eucaliptos recém plantados foram arrancados por um grupo composto por camponeses e ecologistas. A Guarda Nacional Republicana-GNR retaliou, avançando a cavalo sobre os manifestantes. O confronto resultou na prisão de um membro de uma cooperativa agrícola local. O projeto para transformar 200 hectares de um terreno de produção de azeite num eucaliptal também não avançou (BAPTISTA, 2012).
Em Mértola, Beja, decorreu uma ação semelhante. Com o objetivo de travar os trabalhos no terreno para a plantação de eucaliptos, ecologistas e membros da Associação para a Defesa do Património de Mértola-ADPM, do PEV, do Grupo de Estudos de Ordenamento do Território e Ambiente-GEOTA, da Agrobio e do Campo Arqueológico de Mértola, acorrentaram-se às máquinas, ao mesmo tempo que um abaixo-assinado circulava contestando o projeto, que também não procedeu (INDYMEDIA, 2009).
Um ano mais tarde, na ilha do Pico, nos Açores, os municípios das Lajes, São Roque e Madalena iriam ser alvo de um projeto que incluía um aumento de 2.000 para 3.000 hectares de plantação de eucalipto destinado à produção de pasta de papel pela Soporcel. Esta, por sua vez, oferecia uma compensação económica com o objetivo de financiar projetos turísticos locais. As organizações locais mostraram preocupação com o facto do projeto representar uma clara ameaça à preservação da vegetação endémica do arquipélago e ao agravamento do défice hidrológico da ilha (BAPTISTA, 2012).
No entanto, a plantação de eucalipto continuou a preencher a floresta portuguesa. Entre 1989 e 2006 registou um aumento de 91,7% (mais de 354 mil hectares), para um total de cerca de 0,8 milhões de hectares, correspondentes a cerca de 23% da área florestal nacional segundo dados do Inventário Florestal Nacional (OPINIÃO FLORESTAL, 2012). Esta expansão das monoculturas de eucalipto agravou o risco de incêndios florestais e o consequente abandono rural. Mais tarde verificou-se que os fogos ocorridos até então incidiram com maior frequência em zonas onde é mais extensa a continuidade de combustível florestal, composta por eucalipto e pinheiro, do que em regiões de temperaturas mais elevadas e de clima seco, como é o caso do Alentejo (SEQUEIRA, 2013).
A expansão da monocultura de eucalipto, uma espécie exótica (proveniente da Austrália) de crescimento rápido, foi assumida pela indústria de papel, não encontrando na legislação portuguesa nenhum impedimento para continuar a expandir a sua área (PEV, 2012). Esta espécie de árvore, Eucalyptus globulus, chegou a ser candidata à classificação de "espécie invasora" ou de risco ecológico pelo Ministério do Ambiente e pelo Instituto de Conservação da Natureza e Biodiversidade-ICNB, que tentaram impor restrições ao seu uso. No entanto, não recebeu nenhuma das classificações e não foram conhecidos os motivos de tal decisão (CORREIO DA MANHÃ, 2009).
Atualmente, Portugal é o país europeu com a maior área plantada de eucalipto, e o 5ª a nível mundial. Em 2013 o Conselho de Ministros aprovou o Decreto-Lei n.º 96/2013, também conhecido como "lei do eucalipto livre", que reforça a continuação deste cenário, permitindo a criação de manchas contínuas de eucaliptos devido às facilidades de arborização e rearborização com esta espécie, agravando os seus conhecidos impactes ambientais, além de centralizar as decisões no Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas-ICNF. As organizações ambientais, entre elas a Quercus e a Liga Portuguesa da Natureza-LPN, desconfiam que esta lei visa favorecer a indústria de pasta de papel e ainda alguns proprietários que querem avançar as suas explorações para terrenos baldios, agora livres de burocracias anteriormente impeditivas, como era o caso das Zonas de Intervenção Florestal-ZIF que determinavam qual a área desejável para cada espécie (CARVALHO, 2012).
Na gestão das áreas florestais portuguesas cobertas por eucalipto, verifica-se a falta de ordenamento (povoamentos mistos, coberto inferior a 50%, baixas densidades e idades superiores à idade de corte ideal) em cerca de 600 mil dos 850 mil hectares do eucaliptal nacional, com a agravante de que apenas 2% destes se encontram sob gestão pública, enquanto que a média europeia é de 50% (SEQUEIRA, 2013). Sobre este assunto a LPN defende que deveria optar-se por melhorar a atual gestão fortalecendo-a face à baixa do mercado mundial da celulose (LPN et al., 2013).
A aplicação desta lei influencia também o mecanismo que não exige comunicação prévia para a realização de plantações de eucalipto inferiores a 2 hectares – que são a maioria das propriedades no país – facilitando a monocultura de eucalipto. Por outro lado, a burocracia envolvida nas candidaturas a plantações das espécies autóctones como o sobreiro ou o carvalho, é desmotivadora (DIÁRIO DA LIBERDADE, 2012).
Em 2014, a Plataforma pela Floresta endereçou à Assembleia da República, ao Ministério da Agricultura e do Mar, ao Ministério do Ambiente, Ordenamento do Território e Energia, e ao Ministério da Administração Interna, uma subscrição onde requeria a revogação do Decreto-Lei n.º 96/2013, apelando à salvaguarda da sustentabilidade da floresta portuguesa (PLATAFORMA PELA FLORESTA, 2014). Várias associações ambientalistas, entre elas a Quercus, o GEOTA e a Federação Nacional dos Baldios, e individualidades como professores universitários e defensores das questões ambientais em Portugal, como Boaventura de Sousa Santos, Luísa Schmidt, Francisco Louçã e Viriato Soromenho-Marques, apoiaram esta iniciativa (SALVADOR, 2014).
Um ano mais tarde, em setembro de 2015, a Portucel-Soporcel anunciou um investimento de 2.2 milhões de euros para avançar com a plantação de eucaliptos numa área de 350 mil hectares destinados à produção de celulose em Moçambique. A empresa justificou a decisão de relocalizar a produção de eucalipto devido à resistência que encontrou em Portugal. O objetivo do investimento é o de, numa só fábrica, e com o maior viveiro de plantas de África, atingir o mesmo nível de produção de celulose que Portugal produz atualmente (AGÊNCIA LUSA, 2015).
Em novembro de 2016, nos acordos que formalizaram a maioria parlamentar de esquerda, ficou estabelecida entre os partidos PS, BE, PCP e PEV, a revisão da Lei Florestal (Decreto-Lei n.º 96/2013), aprovada no anterior governo, também conhecida como "lei do eucalipto livre", o que acontecerá já no final do primeiro semestre de 2016 (EXPRESSO, 2016).
Em 21 de março de 2016, no Dia Mundial da Floresta, a Confederação Nacional da Agricultura-CNA apoiou a proposta de reversão desta lei, destacando que a mesma foi aprovada "a mando das celuloses e das empresas de conglomerados", com a finalidade de privilegiar apenas a floresta industrial intensiva (MACEDO, 2016).
Também o Partido Ecologista Os Verdes- PEV tornou pública nesta data, uma proposta de medidas "em favor de uma floresta sustentável e diversificada", que pretende ver aprovada na AR, para travar a expansão do eucalipto. O PEV defende que neste novo quadro legislativo se ponha fim à liberalização e à expansão das espécies exóticas nocivas, entre as quais o eucalipto se destaca, e cujo impacto qualificam como extremamente nocivo ao ambiente e à sociedade. O PEV sugere ainda um imposto sobre as grandes áreas de eucalipto, a reverter para a plantação de novas áreas florestais como o montado, prioritariamente para as pequenas e médias propriedades, e uma aposta também na valorização da cortiça (PRADVA, 2016).
Ainda, a recém-formada associação ambientalista Zero, em 5 de maio de 2016, explicita o seu apoio à reversão da lei e adianta diversas recomendações, como a de uma política florestal com sinal oposto à atual, uma discriminação positiva a favor de espécies florestais de crescimento lento e o controle rigoroso das espécies exóticas invasoras (SANCHES, 2016).
No entanto, em 11 de abril de 2016, o diretor-geral da Associação da Indústria Papeleira, pronunciou-se em comunicado, considerando inaceitável a revogação da lei, que segundo ele penaliza uma indústria eficiente e discrimina ainda uma espécie florestal, o eucalipto (AGÊNCIA LUSA, 2016).
Referências bibliográficas
AGÊNCIA LUSA. Indústria papeleira considera discriminação do eucalipto inaceitável. RTP, 4 abr. 2016.
AGÊNCIA LUSA. Portucel lamenta ter de plantar eucaliptos em Moçambique em vez de Portugal. Jornal de Negócios, 8 set. 2015.
BAPTISTA, Gualter, B. Bridging environmental conflicts with social metabolism. Florestry expansion and socioeconomic change. Tese de doutoramento em Ciências do Ambiente na Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa, 2010.
OPINIÃO FLORESTAL. Território - o que ganha Portugal com o eucalipto? Entrevista a Paulo Pimenta de Castro, Blog Opinião Florestal, 28 jul. 2012.
CARVALHO, Manuel. Governo quer acabar com barreiras ao eucalipto. Público, Portugal, 16 jul. 2012.
CORREIO DA MANHÃ. Eucalipto ocupa 26% da floresta portuguesa. Correio da Manhã, Portugal, 20 mar. 2009.
EXPRESSO. Governo trava expansão da área de eucalipto. Expresso, 24 jan. 2016.
GRUPO PORTUCEL SOPORCEL. Eucalipto. Site Grupo Portucel Soporcel, 2013.
INDYMEDIA. Portucel eucaliptiza Moçambique. Centro de Média Independente, 2009.
MACEDO, Paulo. 22 de abril, Dia Internacional da Mãe Terra (Opinião). TOMARTV, 22 de ab. 2016.
OPINIÃO FLORESTAL. Território - o que ganha Portugal com o eucalipto? Entrevista a Paulo Pimenta de Castro, Blog Opinião Florestal, 28 jul. 2012.
PEV. 30 anos de lutas ecologistas (1982-2012), Partido Ecologista Os Verdes-PEV, 2012.
PLATAFORMA PELA FLORESTA. Comunicado. 18 jun. 2014.
PRADVA. Os Verdes querem imposto sobre as grandes áreas de eucalipto. Pradva. ru, 21 mar. 2016.
SALVADOR, João Miguel. Plataforma pela Floresta quer revogar lei do eucalipto. Visão Verde, 23 jan. 2014.
SANCHES, Andreia. "A área reservada ao eucalipto não pode aumentar mais", apela associação Zero. Público, 5 mai. 2016.
SEQUEIRA, Eugênio. Porque arde Portugal? Visão Verde, 4 out. 2013.
15 de junho de 2016.
Duration: 1989 -
Localization / GPS:
1. Region: North; District: Vila Real; locality: Valpaços (GPS 41.607222, -7.310000);
2. Region: Center; District: Santarém; Locality: Aboboreira (GPS 39.585863,-8.05610);
3. Region: Alentejo; District: Beja; Locality: Mértola (GPS 37.638889, -7.661944);
Intensity level: 5/5
GENERAL INFORMATION
ABSTRACT
Eucalyptus was used to make pulp for paper mills for the first time in the world in Portugal. This process was launched in 1957 by the Portucel-Soporcel Group in the Cacia factory, in Aveiro. The 1980s were marked by the development of the pulp and paper industry, the expansion of eucalyptus monocultures all over the country. At that time, protests by rural workers and environmental movements grew in strength and they continue to be held even today. The Partido Ecologista Os Verdes (PEV, The Ecologist Party – The Greens) and the Associação Nacional pela Conservação da Natureza-QUERCUS (National association for the conservation of nature) emerged in 1982 and 1985, respectively, and led the fight against the expansion of eucalyptus in the country. Even so, according to the National Forest Inventory, eucalyptus became the dominant species in the country in the 21st century. The country's legislation had been stimulating the growth of this industry since 2013. However, in 2016, the left-wing majority in the Portuguese parliament put an end to this situation by revising the legislation and adopting measures to protect Portugal's native cork oak forests ("montado") and small and medium-sized farms. The Forestry Reform approved by the Parliament imposed measures to control non-native species, primarily eucalyptus.
Under construction

Portugal, the green desert of Europe?

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