“Somos todos moradores de Ferrel”: pela vida e contra o nuclear
Ferrel situa-se no concelho de Peniche. Foi nesta freguesia que, na década de 1970, esteve prevista a instalação de uma central nuclear. Embora o projeto de construção da primeira central nuclear em Portugal fosse anterior à Revolução de 1974, ele foi confirmado pelo governo provisório que prosseguiu aquela política energética, a qual atravessaria o I Governo Constitucional e vários outros posteriormente. A opção nuclear colocava-se assim como um dos objetivos estratégicos governamentais para a autonomia energética (TAVARES, 2013).
No entanto, este projeto enfrentou forte oposição por parte dos cidadãos de Ferrel que o inviabilizaria graças a um processo de mobilização que depressa ganharia uma dimensão nacional, tornando-se assim o “primeiro conflito ambiental da democracia” (SCHMIDT, 2008). A oposição da população local à instalação da central nuclear em Ferrel, cujo culminar ocorre em março de 1976, deu início a um movimento social muito mais vasto, que conduziu a um consenso alargado e duradouro na sociedade portuguesa pelo “Não ao Nuclear”.
Quando foram iniciadas as obras com vista à construção da central nuclear, os moradores de Ferrel, através de uma Comissão representativa, enviaram telegramas de protesto, a diversas entidades e personalidades políticas, afirmando a sua firme decisão de utilizar todos os meios legais para impedir a construção da central. As entidades contatadas foram: a Companhia Portuguesa de Eletricidade, o Ministério da Indústria e Tecnologia, o Governador Civil de Leiria, o Primeiro-Ministro e o Conselho da Revolução (A POPULAÇÃO DE FERREL, 1976).
Na manhã de 15 de março, os sinos das igrejas tocam a rebate. Os habitantes juntam-se e marcham sobre o estaleiro. A destruição dos alicerces da construção, o fechamento das valas e a destruição dos equipamentos forçaram a paralisação dos trabalhos. O diário nacional O Século que, a par do jornal local O Arado, acompanhou os acontecimentos, publicou na edição do dia seguinte: "Nos concelhos das Caldas e de Peniche, o povo toma consciência de que a luta ecopolítica é uma luta de emancipação económica pela independência nacional e pelos direitos fundamentais do povo português. Uma luta, por isso, suprapartidária. Uma luta unitária. Uma luta popular. Uma luta de base" (GUIMARÃES e FERNANDES, 2016).
A atitude da população de Ferrel teve desdobramentos a nível local e nacional. Esteve na origem de manifestações contra a energia nuclear e da tentativa governamental de defender a sua viabilidade. Na região de Peniche foi fundada a Comissão de Apoio à Luta Contra a Ameaça Nuclear-CALCAN. Em março de 1976, um debate público sobre a central nuclear é organizado nas Caldas da Rainha onde é reiterada a total rejeição à solução nuclear pelos participantes. Em abril, o então Ministro da Indústria do I Governo Constitucional anunciou o lançamento de uma campanha informativa em que afirmava que uma central nuclear possuía condições de segurança e os riscos implicados seriam minimizados.
Em setembro de 1976, em volta da publicação Viver é Preciso - Cadernos de Ecologia e Sociedade, n. 5, foi lançado um apelo intitulado “Somos Todos Moradores de Ferrel”, com o intuito de combater a política pró-nuclear assumida pelo governo na altura.
Em final de janeiro de 1978, realizou-se nas Caldas da Rainha um evento intitulado “Festival Pela Vida e Contra o Nuclear”, que reuniu cerca de três mil pessoas (JORNAL DAS CALDAS, 2012). Deste evento participaram artistas portugueses como Zeca Afonso, Vitorino, Pedro Barroso, Fausto e Sérgio Godinho. O cantor e compositor Fausto havia composto, em 1976, a canção “Rosalinda”, que expressamente se posiciona contra a decisão do governo em construir uma central nuclear em Peniche: “vão fazer uma central, que para alguns é nuclear, para muitos é mortal. Os peixes hão-de vir à mão, um doente outro sem vida, não tem vida o pescador, morre o sável e o salmão”.
Contou ainda com a presença de Delgado Domingos, professor do Instituto Superior Técnico (IST), que corrobora os receios transmitidos à população. Ele terá também um papel importante em conseguir levar por diante a petição para uma moratória sobre a opção nuclear em Portugal, uma iniciativa do grupo A Frente Ecológica (GUIMARÃES e FERNANDES, 2016).
O movimento não parou e em maio de 1978 foi criada a Comissão de Apoio à Luta contra a Ameaça Nuclear (CALCAN), que organizou o festival ecológico nas Caldas da Rainha. O que forçou os media a dar visibilidade pública aos grupos ecologistas cuja ideologia começava a entrar nos liceus e nas universidades (GUIMARÃES e FERNANDES, 2016; NAVE, 2000).
Além do caso de Ferrel ter estimulado as lutas ambientalistas e associações de caráter geral – como o Movimento Ecológico Português-MEP –, a temática específica do nuclear tornou-se fundamental, pois demarcou um determinado período e gerou desdobramentos políticos (SCHMIDT, 2008; DELICADO, PEREIRA, BARCA, 2013).
Em 2006, após décadas de adormecimento da hipótese nuclear em Portugal, surgiu um lóbi que pretendeu relançar a nuclearização. O seu anúncio público reativou o movimento antinuclear que demonstrou estar preparado ao comemorarem-se os 30 anos da manifestação em Ferrel. A junta de freguesia, em colaboração com várias entidades, realizou, na ocasião, um conjunto de atividades com o intuito de homenagear o povo de Ferrel. Esta homenagem serviu para reafirmar, mais uma vez, a rejeição às centrais nucleares em Portugal, bem como para apelar à primazia das fontes de energia alternativas e renováveis. O evento, cujos organizadores foram a Câmara Municipal de Peniche, a Junta de Freguesia de Ferrel e a Plataforma Não ao Nuclear, formada por iniciativa da associação Campo Aberto, reuniu cidadãos, associações e instituições, estando também presentes autarcas, ambientalistas, participantes da primeira manifestação e os habitantes de Ferrel (PÚBLICO, 2006; BARCA, 2016).
Em 2016, 40 anos após os protestos, em sessão evocativa da marcha sobre o Moinho o presidente da Câmara de Peniche anunciou que algumas ruas de Ferrel e doutras freguesias de Peniche terão o nome de pessoas que se destacaram (CARDOSO, 2016; ELOY, 2016).
Bibliografia
A POPULAÇÃO DE FERREL. Comunicado à população, Moinho Velho, 15 mar. 1976.
CARDOSO, Rui. Ferrel evoca marcha antinuclear. Expresso. 13 mar. 2016.
ELOY, António. Nuclear, evocação e futuro. Público. 12 mar. 2016.
GUIMARÃES, Paulo E.; FERNANDES, Francisco R. Chaves. Capítulo 1: Os conflitos ambientais em Portugal (1974-2015): uma breve retrospectiva, p. 19-64. In: GUIMARÃES, Paulo Eduardo; CEBADA, Juan Diego Pérez (coords.). Conflitos ambientais na indústria mineira e metalúrgica: o passado e o presente. Rio de Janeiro - Évora. 2016. – disponível em JORNAL DAS CALDAS. Evocada luta contra central nuclear em Ferrel, 21 mar. 2012.
NAVE, J. G. (2000), The politics of environmental groups in Portugal: a case study on institutional contexts and communication processes of environmental COLLECTIVE ACTION. European University Studies - EUI, PhD theses, Department of Political and Social Sciences, Florença, European University Institute.
PÚBLICO. O sino da aldeia dobrou contra a central nuclear há 30 anos. Jornal Público, 12 de mar. 2006.
SCHMIDT, Luísa. Ambiente e políticas ambientais: escalas e desajustes. In: VILLAVERDE-CABRAL, M., WALL, K., ABOIM, S. e CARREIRA DA SILVA, Filipe (orgs.). Itinerários: a investigação nos 25 anos do ICS. Lisboa. Imprensa de Ciências Sociais, p. 285-314, 2008.
SILVA, Lays; FERNANDES, Lúcia; BARCA, Stefania. Nuclear power station in Ferrel, Peniche, Portugal. EJ Atlas, Projeto Environmental Justice Organisations Liabilities and Trade, 2015.
TAVARES, Bruno Ribeiro. O ambiente e as políticas ambientais em Portugal: contributos para uma abordagem histórica. Dissertação de mestrado em Cidadania Ambiental e Participação. Universidade Aberta, 2013.
30 de junho de 2016
GENERAL INFORMATION
Period: 1976 - 1976
Region: Center
District: Leiria
Localization: Ferrel, Peniche
Intensity level: 5/5
GPS: 39.3649, -9.3165
ABSTRACT
In 1976, the population of Ferrel (Peniche), which is mainly composed of fisherfolk and farmers, rejected the plan to build a nuclear plant there and destroyed the initial foundations of the meteorological station. In the years that followed, the village was the chosen location for protests against nuclear technology - a movement that grew and was consolidated after this event. The experience in Ferrel is now a reference for an entire generation of ecologists and an iconic moment for the ecologist movement.
Under construction

"We are all residents of Ferrel": for life and against nuclear power

![]() |
---|
![]() |
![]() |
![]() |
![]() |
![]() |
![]() |
![]() |
![]() |
![]() |
![]() |
![]() |
![]() |
![]() |
![]() |
![]() |
![]() |
![]() |
![]() |
![]() |
![]() |
![]() |
![]() |