"Fora OGM, OGM fora": destruição de cultura de milho transgénico no Algarve
No ano de 2004, a Associação de Municípios do Algarve-AMAL declarou o Algarve como Zona Livre de Transgénicos-ZLT. Esta declaração, pioneira em Portugal, incluiu 16 concelhos da região. No entanto, em 2006 um proprietário da região obteve autorização para o cultivo de milho geneticamente modificado da empresa Monsanto, na Herdade da Lameira, localidade de Silves, Faro. A partir de 2006, tornou-se possível estabelecer legalmente estas zonas livres em Portugal. A Portaria 904/2005 determinou a possibilidade de se instituírem ZLT por decisão dos agricultores ou por iniciativa municipal. As Câmaras poderiam declarar ZLT desde que esta deliberação fosse apoiada por uma maioria de dois terços na Assembleia Municipal e contasse com o acordo de todos os agricultores. Esta exigência significa que se algum agricultor da área proposta para zona livre se pronunciar contrariamente, impede a Assembleia Municipal de dar seguimento ao pedido. No entanto, em 2006, um proprietário da região obteve autorização para o cultivo de milho geneticamente modificado da empresa Monsanto, na Herdade da Lameira, localidade de Silves, Faro.
A declaração de ZLT implica que a exploração dos agricultores destas zonas livres deve ser, no seu conjunto, de uma área agrícola de 3.000 hectares contíguos e que o estabelecimento da zona livre vale pelo período de 5 anos e, posteriormente a este prazo, poderá ser cancelada ou renovada (AGÊNCIA LUSA, 2006).
Na prática, estas determinações tornavam muito difícil, quase inviável, a criação de zonas livres. Por isso a Plataforma Transgénicos Fora-PTF e partidos políticos tais como o Bloco de Esquerda-BE e o Partido Ecologista Os Verdes-PEV teceram-lhes fortes críticas. O PEV afirmou que a portaria representava uma tentativa de inviabilização da criação de ZLT. O mesmo partido acusou o governo (na altura liderado pelo Partido Socialista-PS), de retirar aos municípios qualquer capacidade de decisão devido à obrigatoriedade de consulta, unanimidade dos produtores da região e do estabelecimento da necessidade do voto por maioria de dois terços da Assembleia Legislativa (BARLAVENTO, 2006b).
Após esta legislação ter entrado em vigor, vários municípios do Algarve reiteraram a vontade, já manifestada em 2004, de se autodeclarar zonas livres de transgénicos. Nos processos de declaração de municípios da região como zonas livres, alguns atores políticos também se manifestaram neste sentido. O PEV saudou esta decisão tomada pela Assembleia Municipal de Loulé em 2006, que assumiu especial relevância por ter ocorrido pouco tempo depois da publicação da portaria (BARLAVENTO, 2006b).
Também em 2006, a Assembleia Municipal de Lagos proibiu o cultivo de transgénicos e a mesma medida foi tomada pela Assembleia Municipal de Aljezur em 2007 (BARLAVENTO, 2006a, 2007).
Em junho de 2007, a Frente do Algarve Livre de Transgénicos manifestou-se contrariamente ao cultivo de milho transgénico em Silves que havia sido autorizado em 2006. O agricultor biológico que liderava este movimento denunciou a sementeira transgénica. O Diretor Regional de Agricultura do Algarve garantiu que não existia risco de contaminação devido ao cumprimento das distâncias de segurança legalmente estabelecidas, e que a plantação e sua regularidade seriam constantemente fiscalizadas até ao final do ciclo. O presidente da Grande Área Metropolitana do Algarve, por sua vez, manifestou preocupação quanto ao cultivo de Organismos Geneticamente Modificados-OGM, alegando que não existia a possibilidade de uma real e efetiva oposição de uma região ou autarquia ao cultivo de transgénicos.
Em meados do mês de agosto, a Associação de Defesa do Património Cultural e Ambiental do Algarve-ALMARGEM também se manifestou sobre a autorização de cultivo de milho transgénico, que caracterizou como uma ameaça. Para esta associação, tratou-se de uma atitude irresponsável devido ao risco de contaminação cruzada através da disseminação do pólen, por meio do vento, aquando da floração das espigas. Mencionou também os riscos para a saúde humana trazidos pela inalação do pólen e anunciou que iria requerer ao governo a aplicação imediata das medidas de emergência consignadas na legislação, nomeadamente a aplicação do princípio da precaução através da destruição adequada do foco de milho na Herdade da Lameira (BARLAVENTO, 2007).
Estes eventos ilustram o contexto regional no qual ocorreu a ação de protesto do Movimento Verde Eufémia em 2007. No dia 17 de agosto de 2007 cerca de 150 pessoas deslocaram-se à Herdade da Lameira para realizar um protesto contra o cultivo de transgénicos. Neste protesto, os manifestantes do Movimento Verde Eufémia - formado por pequenos agricultores e por ambientalistas -destruíram um hectare, de um total de 50 ha cultivados, e um campo de milho transgénico da Monsanto pertencente a um agricultor local.
A manifestação percorreu uma estrada que margeava a plantação repetindo: "fora OGM, OGM fora". Estiveram presentes agentes da Guarda Nacional Republicana-GNR e jornalistas, além do agricultor proprietário do campo e de outros agricultores da região. O proprietário do campo de milho e alguns outros moradores tentaram impedir a destruição de parte do cultivo pelos cidadãos. Houve algum contato físico entre manifestantes e o agricultor, dono do campo. O agricultor estimou que a colheita do milho destruído valeria cerca de 3.900 euros e renderia cerca de 17 toneladas. O Movimento Verde Eufémia ofereceu ao agricultor milho biológico em quantidade suficiente para replantar os 51 hectares. Este não aceitou. A polícia identificou três pessoas que estavam presentes na ação e deu início a uma investigação e ação em tribunal. Esta viria a ilibar os ativistas (VIEIRA, 2011).
O movimento alegou que o cultivo nesta propriedade, a primeira na região a cultivar milho transgénico MON810, representava um desrespeito à vontade dos cidadãos e uma violação à auto declaração do Algarve como uma Zona Livre de Transgénicos em 2004, posteriormente confirmada por diversos municípios da região. O vídeo da ação que o movimento produziu, destacou a inexistência de estudos independentes sobre a temática dos OGM, tendo sido o milho transgénico aprovado para consumo pela Autoridade Europeia com base em estudos da Monsanto (MOVIMENTO VERDE EUFÉMIA, 2007).
Os meios de comunicação noticiaram amplamente a ação no país e várias personalidades políticas manifestaram a sua opinião (AGÊNCIA LUSA, 2006; CARVALHO, 2007). A quase totalidade afirmou não concordar com a atuação do Movimento Verde Eufémia, como foi o caso do Ministro da Agricultura, do Presidente da República e de presidentes de partidos como o Partido Social Democrata-PSD e do PEV, que achou desproporcional a manifestação. Somente o então deputado do BE, Miguel Portas, manifestou simpatia com a ação por colocar na agenda uma temática extremamente relevante: os transgénicos em Portugal.
Os meios de comunicação veicularam sobretudo uma interpretação que criminalizou a ação, tratando-a como um ato de eco-terrorismo, mesmo que brando.
Num comunicado emitido no dia 17 de agosto de 2007, a Plataforma Transgénicos Fora-PTF, da qual participam uma série de movimentos ambientalistas, afirmou que não partilhava os métodos da ação de protesto e relembrou que os OGM não são bem-vindos pela maioria da população portuguesa (PLATAFORMA TRANSGENICOS FORA, 2007).
Outros grupos ambientalistas, apesar de não manifestarem apoio direto à ação, destacaram que o cultivo de transgénicos, mesmo com a distância mínima de 200 metros definida na legislação portuguesa, contamina plantações tradicionais ou biológicas vizinhas - a chamada contaminação cruzada.
O Grupo de Ação e Intervenção Ambiental-GAIA apoiou a ação, "considerando que a destruição de 2% da plantação de um agricultor transgénico constitui um gesto simbólico cujo impacto económico é reduzido, trazendo, no entanto, o assunto para a discussão pública como é importante nesta fase de proliferação dos campos de milho transgénico em Portugal" (GAIA, 2007).
A ação e as reações que despertou esta ação lançaram na sociedade portuguesa um duplo debate, que incluiu tanto a temática do cultivo de transgénicos quanto a da legitimidade dos diferentes ativismos em nome de uma causa ambiental. Isto por tratar-se de uma ação de caráter inusitado para o cenário do país, o que, associado a um contexto de pouca informação sobre a questão dos OGM e sua dimensão levou à grande repercussão (OLIVEIRA, 2008). A caracterização da atuação do Verde Eufémia como um ato de vandalismo chamou a atenção para uma região, o Algarve, caracterizada pela ocorrência frequente de ações e empreendimentos nocivos à saúde e ao ambiente, este sim "vandalismos ambientais e culturais" (SCHMIDT, 2007) e que recebem pouca atenção das autoridades públicas.
Entretanto, sete anos decorridos, os registos de plantações de transgénicos em Portugal, no ano de 2014, colocam o Algarve como a região com maior número de municípios que se declaram oficialmente Zona Livre de Transgénicos e, ainda, a região com menor área plantada com milho transgénico, em contraste com o Alentejo, a maior área plantada com OGM do país. Apenas no município de Albufeira se regista uma plantação de milho transgénico com 7,5 ha (TRANSGÉNICOS FORA, 2016).
Referências bibliográficas
AGÊNCIA LUSA. Município de Loulé declara-se zona livre de transgénicos. Semanário Regional do Algarve Barlavento, 27 set. 2006.
AGÊNCIA LUSA. Activistas destróem um hectar de milho transgénico. Jornal Público, 17 ago. 2007.
BARLAVENTO. Assembleia municipal de Lagos proíbe cultivo de transgénicos. Semanário Regional do Algarve Barlavento, 6 jul. 2006a.
BARLAVENTO. Os Verdes saúdam declaração de Loulé como zona livre OGM. Jornal de Informação Regional do Algarve, Semanário Regional do Algarve Barlavento 28 set. 2006b.
BARLAVENTO. Assembleia municipal de Aljezur repudia autorização para milho transgénico no Algarve. Semanário Regional do Algarve Barlavento 2 jul. 2007.
CARVALHO, Rita. Ativistas ceifam campo de milho transgénico em protesto. Diário de Notícias, 18 ago. 2007.
GAIA. Declaração final do GAIA em relação ao corte de milho transgénico na Herdade do Lameiro, 24 ago. 2007.
MOVIMENTO VERDE EUFÉMIA. GMO mowing Action @ Silves, Portugal. Vídeo, 2007.
OLIVEIRA, Nilzélia Maria da Silva. Ativismo Ambiental, Performatividade e Modos de Vida: um estudo de caso sobre o quotidiano do Grupo de Acção e Intervenção Ambiental – GAIA. Dissertação de Mestrado em Sociologia na Faculdade de Economia, Universidade de Coimbra, 2008.
PLATAFORMA TRANSGÉNICOS FORA. ATTAC; LPN; GAIA; GETA; FAPAS; COLHER PARA SEMEAR; CNA; QUERCUS; MOVIMENTO PRÓ INFORMAÇÃO E CIDADANIA E AMBIENTE; ARP; SALVA. Sobre uma acção de protesto contra o cultivo de milho transgénico no Algarve. Comunicado, 18 ago. 2007.
SCHMIDT, Luísa. País (In)sustentável ambiente e qualidade de vida em Portugal. Lisboa, Novos Rumos, 2007.
TRANSGÉNICOS FORA. Mapa das explorações agrícolas de transgénicos. Trangénicos Fora, 10 jun. 2016.
VIEIRA, Luís Miguel Teixeira. Não-Violência Activa: Movimentos Ambientais e a Mobilização Social em Portugal. A Não-Violência Activa como Método de Participação Social Ambiental. Estudo de Caso - O Caso do Milho Transgénico de Silves. Dissertação de mestrado em Cidadania Ambiental e Participação da Universidade Aberta, Lisboa, 2011.
15 de junho de 2016
Period: 2007 - 2007
Region: Algarve
District: Faro
Localization: Silves
Intensity level: 5/5
GPS: 37.1981, -8.4416
GENERAL INFORMATIONS
ABSTRACT
In 2007, the Movimento Verde Eufémia organised an act of civil disobedience against the growing of genetically modified corn. The action consisted of invading a farm and destroying one hectare of the crop in Silves (Faro), which is located in the Algarve GMO Free Zone. The zone had been declared "GMO Free" in a decree issued by mayors in the region.
“No GMOs, GMOs No”: the destruction of genetically modified corn crop in Algarve
Under construction


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