“Nem tudo o que luz é ouro”: protestos contra a exploração de ouro em Évora

Em outubro de 2011, a Direção-Geral de Energia e Geologia-DGEG comunicou a aprovação do contrato de Licença de Mineração Experimental de ouro a ser celebrado com a empresa canadiana Colt Resources, em parceria com a empresa australiana Iberian Resources. A licença abrangia uma área de 47 km2 situada entre Évora e Montemor-o-Novo, na freguesia da Boa Fé. Foi igualmente aprovada uma licença de exploração de ouro de 728 km2 situados em Montemor-o-Novo, uma área que circunda completamente a concessão de Boa Fé (COLT RESOURCES, 2011). Desde logo, a população local e as entidades ambientalistas questionaram os impactos negativos que a mineração traria, sublinhando que se tratava de uma Zona de Proteção Especial-ZPE, e empreenderam várias ações para impedi-la.

 

Em novembro de 2011, foi assinado o contrato administrativo entre o governo português e a Colt Resources, prevendo um período de prospeção de ouro de três anos. Após este período, e após confirmação de sua viabilidade económica, entrar-se-ia na fase de exploração que deveria durar cinco anos. Na altura da assinatura do contrato, o presidente da Câmara Municipal de Évora realçou como muito positivo “um projeto que vai criar centenas de postos de trabalho e dar um contributo importante para o produto local e regional” (RÁDIO ELVAS, 2011).

 

A área de concessão inclui uma vasta área de ZPE situada na Serra de Monfurado, que faz parte dos sítios protegidos da Rede Natura 2000, e apenas foi possível devido a modificações intencionais nos Planos Diretores Municipais-PDM de Évora e de Montemor-o-Novo e da criação, no ano anterior, de um Plano de Intervenção no Espaço Rural do Sítio Monfurado-PIERSM. Através destas ações transformou-se uma parte de um Sítio de Importância Comunitária-SIC em Área de Exploração dos Recursos Geológicos, isentando-a das interdições gerais à exploração de recursos geológicos como movimentação de terras, escavações, extração e acumulação de inertes (QUERCUS, 2013).

 

Esta nova configuração levou a que os moradores da região e associações ambientalistas se manifestassem contra a exploração de ouro em Boa Fé. Já no início de 2013, um grupo de moradores locais criou um blog disponibilizando informação sobre os danos causados pela mineração aurífera em diversas partes do mundo, as lutas e resistências a esta mineração e completando-a com os aspectos específicos do caso de Boa Fé. Consideraram os impactos negativos que a mineração implicaria: o ruído provocado pela detonação de explosivos (previstos em 340 toneladas ao ano), a emissão de poeiras, o impacto na fauna e flora, a liberação de substâncias tóxicas, a contaminação dos solos e das linhas de água. Consideram ainda os riscos de ruptura e de contaminação trazidos à barragem dos rejeitados - mesmo depois de encerrada a atividade de mineração – as incertezas próprias das flutuações da cotação do ouro nos mercados internacionais e a falta de garantias, por parte do consórcio, para a assunção dos riscos futuros e dos custos associados à implementação de todas as medidas previstas para a requalificação da área, bem como para a prevenção, acompanhamento e controle de eventuais situações de acidentes após o fim da exploração (NEM TUDO O QUE LUZ É OURO, 2014).

 

Em agosto de 2012, o Estudo de Impacte Ambiental-EIA, iniciado em novembro de 2010, foi concluído e foi favorável, na generalidade, à atividade mineradora, mas apontava correções. Em janeiro de 2013, a empresa publicou um resumo não-técnico das conclusões deste estudo em que frisava que as medidas propostas pelo EIA concorriam para compatibilizar a exploração geológica e a preservação do ambiente e da qualidade de vida das populações (GEOMEGA e AURMONT RESOURCES, 2013).

 

No blog do grupo de moradores da Boa Fé, os cidadãos convidaram a população a organizar-se para o protesto público, tomando exemplos de outros contextos: “se, na Galiza, o povo se uniu em massa para contestar nas ruas um megaprojeto que, como a mina da Boa Fé, colocaria o território e as suas gentes à mercê do insaciável apetite do capital anónimo, será que em Portugal não poderemos fazer o mesmo? Está a chegar a hora dos brandos costumes ficarem em casa” (SANTOS, 2016; GUIMARÃES e FERNANDES, 2016; NEM TUDO O QUE LUZ É OURO, 2014).

 

Na fase de elaboração do EIA, realizou-se uma consulta pública na qual a Associação Nacional de Conservação da Natureza-Quercus se manifestou contra a instalação do complexo de exploração de depósitos minerais auríferos devido aos elevados riscos ambientais que estes implicariam para a região. A população questionou a veracidade do EIA, considerando a possibilidade de este funcionar como legitimador dos interesses económicos envolvidos e dos seus apoiantes políticos, minimizando a probabilidade ou a gravidade dos riscos implicados. Os riscos industriais e económicos eram elevados, afetariam o ambiente e a qualidade de vida da população e não estariam sendo devidamente considerados e calculados naquele estudo (SANTOS, 2013).

 

No EIA constava que a exploração ocorreria 24 horas por dia, produzindo uma escombreira com 37 hectares, para acondicionar 10.851 toneladas de estéreis. O projeto incluía a instalação de uma barragem de rejeitados com 32 hectares, para acondicionar 10.000 toneladas de metais pesados, nomeadamente arsénio, chumbo, cobre, mercúrio inorgânico, níquel, prata e zinco, resultantes dos cinco anos previstos para a laboração (DIAS e SOARES, 2014). Após análise do EIA, a Quercus reiterou a posição contrária, sob o argumento de que não existiam garantias suficientes de que o passivo ambiental gerado pela mineração seria solucionado. Com a mesma posição da Quercus, pronunciaram-se a Direção Nacional do Fundo para a Proteção dos Animais Selvagens-FAPAS e a Direção Nacional da Liga para a Proteção da Natureza-LPN.

 

Estas associações denunciaram o conluio existente entre as instituições públicas mais diretamente envolvidas no processo de concessão da atividade mineira em Boa Fé, nomeadamente os municípios de Évora e de Montemor-o-Novo, por um lado, e o Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas-ICNF, as quais teriam cumprido diligentemente as aspirações do proponente. Assim os Planos Diretores Municipais tinham sido alterados e o Plano de Intervenção no Espaço Rural do Sítio de Monfurado fora publicado com o objetivo de favorecer a concessão da atividade mineira numa área em que a mesma estava interdita por lei (QUERCUS, 2013).

 

Instaurou-se uma Comissão de Avaliação do EIA e, em 1 de julho de 2013, a Agência Portuguesa do Ambiente–APA pronunciou-se com um parecer favorável, mas condicionado, onde integrou as principais críticas apresentadas de modo a minimizar os danos causados pela exploração mineira, sem, no entanto, a inviabilizar. No dia 5 de julho de 2013, numa sessão extraordinária da Assembleia Municipal de Évora, a maioria dos vereadores assumiu uma posição desfavorável à exploração mineira em Boa Fé. No dia 7 de julho, o Bloco de Esquerda-BE promoveu um debate público sobre esta exploração com o título elucidativo da sua posição: “Ouro: a arte de dourar uma ilusão”. Nele marcou a sua posição, defendendo que a exacerbação dos lucros anunciados pela mineração de ouro na região ocultavam os custos futuros resultantes do passivo socioambiental que seria gerado por essa atividade. Nesse mês, a Quercus anunciou que interpôs uma ação popular para impugnar a Declaração de Impacte Ambiental-DIA do projeto de exploração mineira da Boa-Fé, por considerar que este afetava uma zona de montado de sobro inserida na Rede Natura 2000 (MARTINS, 2013).

 

Em setembro de 2014, a Câmara Municipal seguida da Assembleia Municipal de Évora voltaram a discutir, em sessões abertas, o projeto de Boa Fé que foi agora rejeitado por unanimidade. Ficou então decidido não o classificar como projeto de interesse municipal. Perante este resultado, a comunidade desafiou os representantes da empresa para que cumprissem com os princípios éticos que tinham declarado ao longo do processo: de que a mina não avançaria contra a vontade popular, não tendo obtido qualquer resposta (NEM TUDO O QUE LUZ É OURO, 2014).

 

Entretanto, o preço do ouro tem caído regular e drasticamente nos últimos quatro anos (de setembro de 2011 a setembro de 2015). Foi de E1.800,00/oz (uma onça troy igual a 31,3 gramas), o pico da cotação internacional do ouro em setembro de 2011, coincidindo com a data da primeira aprovação do projeto em Portugal, tendo caído, dois anos depois, para E1.300,00/oz (em setembro de 2013), e, ainda caído para E1.160,00/oz, em setembro de 2015, uma queda acumulada de 40% no valor da cotação em quatro anos.

 

Consequentemente o empreendimento tornou-se menos atrativo:

 

- Por se tratar de uma Junior Company, capital canadiano especulativo registrado na Bolsa do Canadá, que promete aos seus investidores e sócios ganhos astronómicos, o que, devido às atuais cotações e a tendência histórica nos últimos cinco anos de queda regular do preço do ouro, não é possível, tendo de aguardar uma recuperação estável das cotações do passado, mas não existe data para tal ocorrer.

 

- Porque sendo um jazigo de ouro, a partir de minérios de baixo teor, aumentariam os seus custos operacionais cumprir todas as exigências oficiais ambientais da APA, que se pronunciou com um parecer favorável condicionado. Não aceitou a lavra a qualquer custo, que era a proposta inicial apresentada pela Colt, e tornou obrigatória a incorporação de grande parte das observações técnicas dos pareceres dados pelos movimentos ambientalistas, mostrando a importância destes últimos no processo(SANTOS, 2016).

 

Não parece ter impressionado a Colt Resources a entrada em vigor, em 2015, de medidas de ainda maior liberalização na regulação da atividade extrativa mineral em Portugal, revogando toda a legislação anterior, através de Lei da Assembleia da República–AR e um DL do governo, na contramão de qualquer legislação dos países desenvolvidos. Eliminou-se qualquer coparticipação no processo público de concessão, excluindo-se quaisquer outras instituições governamentais, que não a Direção-Geral de Energia e Mineração–DGEM, com poder de decisão exclusivo. Principalmente foram excluídas da decisão instituições públicas notórias, tais como, o ICNF, a Direção Geral do Património Cultural, e ainda os órgãos municipais (AR, 2014).

 

Em setembro de 2015, a Colt Resources, que detém outras áreas de mineração em Portugal e no Mundo, apresenta oficialmente no seu site o projeto mineiro da Boa Fé como um portfólio empresarial ativo, mas nada afirmativo se diz sobre a situação atual dos trabalhos, onde apenas a fase de pesquisa geológica foi feita. No campo, não existe nenhum equipamento, instalação ou trabalhadores (COLT RESOURCES, 2015). O que não significa que, embora o projeto esteja paralisado em 2015, não possa vir a ser reativado a qualquer momento, já que a licença já foi aprovada.

 

No início dos anos 90 foram vários projetos extrativos travados numa fase inicial ou adiados, graças à mobilização das populações locais, que tomam consciência do seu impacto futuro sobre o território e sobre as suas vidas. Entre estes se encontra na região do Alentejo a mina de ouro na freguesia de Boa Fé, Évora (2011), na região Centro três: a exploração de caulino nos concelhos densamente povoados de Cantanhede, Mira e Figueira da Foz; a exploração de pedreiras e a instalação de uma fábrica de cal em Fátima, Ourém e outras povoações (2012); em Rio Maior, uma empresa de construção tentou construir, pela segunda vez, uma cimenteira numa zona protegida às portas da localidade (2010); e no Algarve a exploração de feldspato na serra de Monchique, que foi também travado. Refira-se ainda o forte movimento, criado recentemente no ínicio da segunda década do século XXI, contra a possibilidade de exploração de petróleo e gás natural na costa algarvia (GUIMARÃES e FERNANDES, 2016).

 

Bibliografia:

 

AR. Decreto-Lei n. 130/2014,Assembleia da Republica-AR 29 ago. 2014.

 

COLT RESOURCES. Comunicado à imprensa, 3 set. 2015.

 

COLT RESOURCES. Comunicado à imprensa. 24 out. 2011.

 

DIAS, Carlos; SOARES, Marisa. Quercus tenta travar extração de ouro no concelho de Évora. Público, 14 jul. 2014.

 

GEOMEGA; AURMONT RESOURCES. Projeto de exploração mineira de Boa Fé. Estudo de Impacte Ambiental, Resumo não-técnico, v. 1, jan. 2013.

 

GUIMARÃES, Paulo E.; FERNANDES, Francisco R. Chaves. Capítulo 1: Os conflitos ambientais em Portugal (1974-2015): uma breve retrospectiva, p. 19-64. In: GUIMARÃES, Paulo Eduardo; CEBADA, Juan Diego Pérez (coords.). Conflitos ambientais na indústria mineira e metalúrgica: o passado e o presente. Rio de Janeiro - Évora. 2016.

 

MARTINS, Bruno Manuel dos Santos. Assembleia Municipal de Évora aprova por unanimidade recomendação do BE sobre Mina da Boa Fé.. Blog, A Cinco tons, 28 dez. 2013.

 

NEM TUDO O QUE LUZ É OURO. Análise crítica do projeto Boa Fé, Blog Nem tudo que luz é ouro, 2014.

 

QUERCUS. Projeto de exploração mineira da Boa Fé, Évora. Mais um projeto em Rede Natura 2000 com elevados riscos ambientais e económicos. FAPAS, LPN, QUERCUS, Site da Quercus, 8 abr. 2013.

 

RADIO ELVAS. Évora: Governo assinou exploração de ouro na mina de Boa Fé, Site, 2011.

 

SANTOS, José Rodrigues dos. Capítulo 7: Evitar o impensável: a destruição irremediável do quadro de vida. Uma análise a partir do projeto da mina de Ouro da Boa Fé, p. 185-214. In: GUIMARÃES, Paulo Eduardo; CEBADA, Juan Diego Pérez (coords.). Conflitos ambientais na indústria mineira e metalúrgica: o passado e o presente. Rio de Janeiro - Évora. 2016.

 

30 de junho de 2016

Bibliography
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Associations/Movements
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Institutions/Corporations

GENERAL INFORMATION

 

Period: 2011 - 2016

Region: Alentejo

District: Évora

Localization: Serra do Monfurado / Nossa Senhora da Boa Fé

Intensity level: 3/5

GPS: 38.5546, -8.0916

 

ABSTRACT

Protests were held to contest the decision to grant a Canadian mining corporation a permit to prospect and eventually mine gold in an area of nearly 50 km² in Serra do Monfurado, in the municipality of Évora. During the process, which lasted for years, the opposition benefitted from the fact that the context was not favourable to the company's interests, as the price of gold was on a sharp and steady decline. Furthermore, authorities in Évora publicly condemned the project and as a result, the corporation suspended it with no further explanation.

Under construction

"Not everything that glitters is gold ": protests against gold mining in Évora

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Portugal: Ambiente em Movimento

Um projeto de cooperação entre Oficina de Ecologia e Sociedade (CES/UC), CETEM (MCTIC/Brasil) e SOCIUS-CSG (UL)

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