História, passivo e protestos na mineração de urânio em Portugal

O urânio é um metal radioativo, usado como combustível para a produção de energia elétrica ou em armas atómicas, depois de enriquecido em centrais nucleares. Para obter 1 quilo de urânio a partir de minérios produzem-se 250 quilos de resíduos radioativos que ficam junto da mina e podem ser levados pelo vento para os campos em redor, ser escoados pela chuva, para os rios, ou infiltrarem-se no solo atingindo os lençóis freáticos (FONTE NOVA, 2009). Uma exploração mineira de urânio representa risco potencial para a saúde pública, por exposição direta aos materiais geológicos mineralizados, inalação de poeiras radioativas e do gás radão, ou pela ingestão de água e alimentos contaminados (CAMPOS et al., 2003).

 

Em Portugal a exploração de minérios urano-radíferos radioativos data de 1908 e teve início com a exploração de uma mina de rádio localizada no concelho de Sabugal (distrito da Guarda) pela Companhia Portuguesa de Rádio. Em 1913, iniciou-se esta mineração no concelho de Canas de Senhorim (distrito de Viseu), zonal onde estavam as principais reservas de urânio e foram implantadas as principais infraestruturas de transformação do minério.

 

Em Portugal, os jazigos urano-radíferos mais importantes encontram-se na região central do país (Beiras), dispostos na parte ocidental do Maciço Hespérico, abrangendo a Cordilheira Central (Serra da Estrela, Lousã, S. Pedro de Açor, Gardunha), e estendendo-se para poente até às Serras do Buçaco, Caramulo e Montemuro. Na região Centro, o urânio foi explorado em diversas minas, a maioria de pequenas dimensões, das quais se salientam as minas da Urgeiriça, Bica, Castelejo, Cunha Baixa, Quinta do Bispo e Pinhal de Soto (ROMÃO et al. apud MENDES e ARAÚJO, 2013).

 

Nos primeiros anos do século XX, a exploração destes minérios foi liderada pela Companhia Portuguesa de Rádio. Inicialmente, a exploração nas minas da Urgeiriça originou uma indústria de produção de concentrados de rádio, que durou até meados da década de 1940. A partir dessa altura, a atividade passou a centrar-se na produção uranífera. O ano de 1949 foi determinante para o destino do urânio produzido em Portugal. No início da Guerra Fria, o governo português assinou um acordo com a Inglaterra que incentivou a exploração de 4.370 toneladas de óxidos de urânio nas 61 minas espalhadas pelos distritos da Guarda, Viseu e Coimbra (CARVALHO, 2009).

 

Em 1954, a criação da Junta de Energia Nuclear-JEN sancionou o controlo político e técnico do Estado na exploração de urânio, considerado também como fator fundamental da produção de energia nuclear no país. Este objetivo levou à proibição de exportação de urânio (com exceção do Reino Unido), passando estes jazigos a ser considerados como uma reserva nacional. O urânio teve um papel político importante ao possibilitar a participação de Portugal em instituições como a Agência Internacional de Energia Atómica-AIEA (1954), a Sociedade Europeia de Energia Atómica-SEEA (1955) e a Agência Europeia de Energia Nuclear-AEEN (1957). Neste contexto, as empresas tiveram facilidades na aquisição e modernização de equipamentos e na formação de mão-de-obra especializada. Além disso, manteve-se a exploração de uma matéria-prima para eventual produção energética no país, o que fica elucidado na temática referente à energia nuclear, em que destaca-se o anseio de uma parcela política do país em investir na produção desta energia.

 

No fim da década de 1960, todos os ativos da Companhia Portuguesa de Rádio foram transferidos para o Estado, que passou a explorar o urânio em regime de monopólio. A partir de 1977, esta exploração passou para a Empresa Nacional de Urânio-ENU que, depois de 1990, passou a designar-se Empresa Nacional de Urânio S.A. (Decreto-Lei n.º 376/90, de 30 de novembro de 1990).

 

No fim dessa década, já as antigas explorações tinham sido encerradas, deixando um pesado passivo ambiental. Tentou-se então a exploração das jazidas uraníferas de Nisa, no Alto Alentejo. No entanto, o projeto contou com forte oposição das populações locais e mostrar-se-ia inviável (MENDES e ARAÚJO, 2013).

 

A dissolução da ENU teve início no ano de 2001, período que coincidiu com a implementação do regime jurídico português que sustenta a recuperação ambiental de áreas sujeitas à atividade mineira, através do Decreto-Lei 198A/2001.

 

Em 31 de dezembro de 2003, a ENU encerrou deixando para a Empresa de Desenvolvimento Mineiro-EDM – empresa pública responsável pela recuperação ambiental das áreas mineiras degradadas do país. EDM a gestão do seu grande passivo socioambiental. Durante cerca de sete décadas, as 56 concessões mineiras, exploradas a céu aberto ou por desmonte, produziram 4,4 mil toneladas de óxido de urânio e geraram um passivo físico estimado em 7,8 milhões de metros cúbicos de efluentes líquidos e resíduos sólidos, resultantes da extração ou do tratamento desses minérios. Nos sítios onde se procedeu ao tratamento químico do minério para extração do rádio ou do urânio como na Urgeiriça, Quinta do Bispo, Bica, Senhora das Fontes e da Fábrica de Rádio do Barracão acumularam-se resíduos radioativos muito perigosos. Os resíduos de mineração de urânio e de moagem equivalem a cerca de 13 milhões de toneladas (CARVALHO, 2011).

 

As minas da Urgeiriça, em Canas de Senhorim (Viseu) têm as maiores fontes de radioatividade, representando a maior parcela dos resíduos, passíveis de afetar o solo, a água e a agricultura (CARVALHO et al., 2009).

 

É através do caso das minas de Urgeiriça que se evidenciam os desdobramentos das manifestações dos grupos afetados e da legislação concernente à situação dos ex-trabalhadores do urânio em Portugal, bem como da requalificação ambiental das zonas degradadas pela mineração (PEREIRA e OLIVEIRA, 2007). Nesta localidade, entre 2001 e 2008, uma série de protestos locais reivindicou soluções para o passivo ambiental deixado pela exploração de urânio e compensação pelos danos causados à saúde.

 

Em abril de 2016 foi aprovada a Lei nº 10/2016 que estabelece o direito a uma compensação por morte provocada por doença profissional dos trabalhadores da ENU (AR, 2016).

 

Pautados na experiência da população que trabalhou e viveu com o urânio em Portugal, houve também protestos contra a exploração deste minério em Nisa, em que a população, apoiada pela autarquia, se opôs ao governo central que pretendi desenvolver a mineração, e saiu vitoriosa.

 

Quanto ao temor de contaminação pelo urânio das populações próximas às antigas explorações, o administrador da EDM afirma que “existe um risco controlado, que precisa ser tratado à luz das soluções atuais, de forma a reduzir os impactos associados à dispersão eólica e à contaminação aquífera”. Segundo ele, o contato direto das populações com as áreas de exploração não acarreta problemas se a permanência não ultrapassar três ou quatro horas por dia durante um ano (PEREIRA e OLIVEIRA, 2007). Porém, além destas afirmações serem controversas, a população olha com desconfiança para a EDM tendo em vista que a empresa é responsável pela gestão do passivo ambiental de 175 explorações mineiras, públicas e privadas, que foram abandonadas e que hoje exigem vultosos investimentos para remediação urgente de danos, estimados em 118 milhões de euros até 2013 (CARVALHO, 2009).

 

Para melhorar a sua imagem perante a população, a EDM tem divulgado o projeto de remediação das escombreiras e lamas radioativas da Urgeiriça, que promoveu a impermeabilização dos materiais radioativos, assim como a neutralização das águas ácidas, e custou 6 milhões de euros ao Estado. Porém, a iniciativa controlou apenas 2 dos mais de 3 milhões de toneladas de resíduos na Barragem Velha da Urgeiriça. Ainda há mais 60 minas próximas de povoações e 10 milhões de toneladas de rejeitados radioativos à espera de trabalhos de reabilitação, com um custo de 60 milhões de euros (CARVALHO, 2009).

 

Em 4 de junho de 2016 na comemoração do Dia do Ambiente realizou-se uma concentração nas minas de Mondego Sul, Azere, Tábua exigindo "A Recuperação Ambiental Urgente de todas as Minas de Urânio" (AZUAMBIENTE, 2016).

 

BIBLIOGRAFIA

 

AR. Atividade parlamentar e processo legislativo- Lei n. 10/2016, AR-Assembleia da República, 4 abril 2016.

 

AZUAMBIENTE. AZU Ambiente Zonas Uraníferas. Facebook. 2016.

 

CAMPOS, A. B. A.; PEREIRA, A. J. S. C.; NEVES, L. J. P. F. Distribuição do radão na área do jazigo de urânio de Nisa. IV Congresso Ibérico de Geoquímica e XIII Semana de Geoquímica, 14 a 18 jul, Coimbra, 2003.

 

CARVALHO, Carlos Neto de. A ameaça de abertura de uma mina de urânio em Nisa: o direito das populações à integridade ambiental e sociocultural da paisagem. Geoturismo & Desenvolvimento local, atas das XVIII Jornadas sobre a Função Social Museu, Idanha-a-Nova, 25 a 28 de set. de 2008, 2009.

 

CARVALHO, F. P..; OLIVEIRA, J.M.; MALTA, M. Analyses of radionuclides in soil, water, and agriculture products near the Urgeiriça uranium mine in Portugal. Journal of radioanalytical and nuclear chemistry. set. 2009, n. 281, v. 3, p. 479-484.

 

CARVALHO, F. P. Past Uranium Mining in Portugal: Legacy, Environmental Remediation and Radioactivity Monitoring, International Atomic Energy Agency, The Uranium Mining Remediation Exchange Group (UMREG), selected papers 1995-2007, p. 145-1155, 2011.

 

FONTE NOVA. Exploração de urânio no mundo debatida em Nisa, Portugal. Blog Ecodebate, Cidadania e Meio Ambiente, 10 fev. 2009.

 

MENDES, José, M.; ARAÚJO, Pedro. Territórios contaminados, corpos contaminados: Estado, nuclearidade e cidadania em Portugal e França. Revista Sociologia Configurações: Cultura, Tecnologia e Identidade, v.8, p. 33-56, 2011.

 

MENDES, José Manuel de Oliveira; ARAÚJO, Pedro. As minas de urânio em França e em Portugal. In MENDES et al. (coord.) Risco, cidadania e Estado num mundo globalizado, CEScontexto, v. 3, p. 55-109, dez. 2013.

 

PEREIRA, André; OLIVEIRA, Luís. Extração de urânio em Nisa. Correio da Manhã, 11 mar. 2007.

 

20 de junho de 2016

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ABSTRACT

Discovered in the late 19th century, uranium is used today as fuel to produce electricity and atomic weapons. It was explored for the first time in Portugal in 1908 in a mine operated by the Companhia Portuguesa de Rádio. Shortly after, uranium mining began in the Canas de Senhorim parish (Viseu district), the zone where the largest uranium reserves were located and the main mineral processing infrastructure was built. For nearly 7 decades, the 56 mining concessions –either underground or open pit mines – accumulated dangerous radioactive waste, which generated a major environmental liability and health problems for the workers and the residents.

History, liabilities and protests of Uranium mining in Portugal

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