Protestos contra duas incineradoras de RSU nos Açores
Existem centenas de pequenas lixeiras clandestinas em várias ilhas dos Açores, a maioria das quais constituídas por sucata e Resíduos Sólidos Urbanos-RSU. Em 2003, a Associação dos Municípios da Ilha de São Miguel-AMISM anunciou a intenção de construção de uma incineradora na ilha. Esta possibilidade foi contestada pela Associação Nacional de Conservação da Natureza-Quercus. Chamaram a atenção para o fato da incineração ser o processo de tratamento de RSU mais dispendioso e afirmou que a adoção da incineração geraria poluição e iria contra as diretivas comunitárias que estabelecem elevadas metas de reciclagem (AÇORES GLOBAL, 2004).
Em 2008, o Plano Estratégico de Gestão de Resíduos dos Açores-PEGRA previa que a valorização energética somente seria admitida como última alternativa, depois da reutilização, reciclagem e valorização orgânica. A proposta do PEPGRA de 2008 previa a instalação de um Ecoparque na ilha de São Miguel com uma solução integrada de gestão de resíduos - centro de triagem, central de compostagem, aterro para resíduos perigosos e não-perigosos e incineração (MONIZ, 2014).
Com a elaboração de um novo plano de gestão de resíduos para a região autónoma dos Açores em 2013, retomou-se a intenção da construção de incineradoras no arquipélago e foram realizados Estudos de Impacte Ambiental-EIA referentes a estas estruturas. Este plano de 2013 previa a construção de duas incineradoras na região autónoma, uma localizada na ilha da Terceira e outra na ilha de São Miguel.
Em junho de 2013, a Quercus apresentou uma queixa junto da União Europeia-UE por considerar que o projeto de incineração defendido pelo Plano Estratégico de Gestão de Resíduos dos Açores-PEGRA não cumpria as diretivas de RSU. Em julho, a Quercus apresentou às instituições europeias uma segunda queixa contra o Estado português por incumprimento da hierarquia comunitária de tratamento de resíduos previsto na Diretiva n. 2008/98/CE (artigo 239.º), que estabelece uma hierarquia para a gestão de resíduos, em que a reciclagem surge a montante da valorização energética e a inversão desta hierarquia somente poderia ser realizada mediante a aprovação de um estudo de análise de ciclo de vida que a justificasse, o que não foi feito neste caso. Em alternativa à incineração de RSU, a Quercus defende o tratamento mecânico e biológico, alegando que já existem em Portugal unidades destas que conseguem reciclar cerca de 60% dos resíduos indiferenciados (CORREIO DOS AÇORES, 2013).
Em novembro de 2013, o presidente da AMISM assegurou que o projeto de incineração de resíduos iria avançar através de uma parceria público-privada. Referiu que a associação necessitava de 10 milhões de euros para avançar com o projeto de incineração, uma vez que o restante seria assegurado por fundos comunitários. A Quercus e a Associação Amigos dos Açores pronunciaram-se contrariamente e lamentaram esta decisão (AGÊNCIA LUSA, 2013).
Para a construção da central de valorização de resíduos por incineração em São Miguel concorreram três consórcios: dois formados por empresas da Áustria e Portugal e o terceiro por empresas de Espanha e Finlândia. Em abril de 2014, a AMISM anulou o concurso para a instalação da incineradora na ilha. As três propostas apresentadas ultrapassaram o valor base estipulado de 80 milhões de euros. A AMISM declarou que iria reformular o processo e lançar novo concurso (RTP, 2014). No mesmo mês, realizou-se um debate público sobre esta temática em Ponta Delgada, capital da ilha. Na ocasião, o Bloco de Esquerda-BE afirmou que a opção pela construção de incineradoras nos Açores privilegiaria o lucro de empresas privadas em detrimento do ambiente e da saúde das populações locais e das gerações futuras. A incineração geraria menos empregos do que o tratamento mecânico e biológico e levaria ao não cumprimento das metas de reciclagem, sendo por isso uma opção “não sustentável, não inclusiva e não inteligente” (ESQUERDA.NET, 2014).
Apesar da oposição ao projeto, as obras de construção da incineradora na ilha da Terceira arrancaram no início de 2014. A instituição responsável pelas obras (localizadas nas autarquias de Angra do Heroísmo e Praia da Vitória) foi a Empresa Municipal de Gestão e Valorização Ambiental da ilha Terceira-TERAMB, tendo a infraestrutura começado a funcionar em 2015 (LUSA, 2014b).
No mês de novembro de 2014, a AMISM lançou um novo concurso para a construção da incineradora em São Miguel com o valor de 68 milhões de euros (LUSA, 2014a). O BE propôs que a decisão sobre a construção da incineradora na ilha de São Miguel fosse a referendo, mas a proposta foi chumbada pelo Partido Socialista-PS e pelo Partido Social Democrata-PSD. Também representantes do Partido Ecologista Os Verdes-PEV manifestaram discordar da construção da incineradora em São Miguel e opõem-se à incineração como método de tratamento de resíduos defendendo o investimento na redução substancial da quantidade de resíduos produzida, na reutilização e na criação de um sistema de reciclagem robusto. Aliás, este projeto de incineração pode constituir-se numa ameaça ao turismo nos Açores, que é valorizado pelas suas características naturais e de eco sustentabilidade (PEV, 2014).
Entretanto, em março de 2016, a Quercus informou que o sistema de gestão de resíduos da ilha Terceira estagnou, a reciclagem de embalagens processou pouco mais de 25% dos resíduos recicláveis, quando em 2020 teria de atingir meta de reciclagem de 50%, estabelecida pelo governo regional para permitir a construção da unidade de incineração. Enquanto outras ilhas dos Açores, como Ilha das Flores e Graciosa que possuem o sistema defendido pela Quercus (Tratamento Mecânico e Biológico-TMB), atingiram valores de reciclagem da ordem dos 90%. (AMBIENTE, 2016).
Em novembro de 2016, o presidente da Associação de Municípios da Ilha de São Miguel-AMISM afirmou que a construção da incineradora de resíduos só poderia avançar mediante a construção de uma central hídrica reversível que assegurasse a venda de energia à Empresa de Eletricidade dos Açores-EDA, uma vez que não existe atualmente capacidade da rede pública para garantir o fornecimento desta eletricidade (LUSA, 2016).
No final de 2016 o projeto da construção da incineradora de São Miguel está em fase de concurso público, havendo somente uma proposta em análise, a do consórcio luso-germânico CME e Steinmüller Babcock Environment, no valor de 64 milhões de euros. (LUSA, 2017).
Em janeiro de 2017, o responsável pelo movimento "Salvar a ilha contra a incineração em São Miguel", num encontro que promoveu a reflexão sobre o tema em Ponta Delgada, afirmou que existem métodos alternativos menos poluentes para tratamento dos resíduos em causa e que gostaria de ver os mesmos implementados, uma vez que as incineradoras libertam gases e cinzas altamente cancerígenas para a população, e já existe na região uma grande incidência de cancros (LUSA, 2017).
Em fevereiro de 2017, foram anunciados novos fundos da UE à candidatura do Ecoparque de São Miguel, pela comissão de gestão do Programa Operacional de Sustentabilidade e Eficiência no Uso de Recursos-POSEUR, tendo sido atribuídos 70 milhões, dos 87 milhões que o projeto contempla. O BE/Açores lembrou, no entanto, que a construção da central hídrica reversível, condição “sine qua no” para avançar com o processo de incineração em São Miguel, afinal já não vai avançar, o que só demonstra a incongruência do projeto (AO, 2017). O movimento "Salvar a ilha contra a incineração em São Miguel" entregou ao parlamento açoriano uma petição “Contra a incineração em São Miguel”com 1850 assinaturas.
Referências Bibliográficas
AÇORES GLOBAL. Açores, uma reserva natural em perigo. Açores Global, 5 jan. 2004.
AMBIENTE. Ilha Terceira muito longe das metas de reciclagem, Ambiente, 9 de mar. de 2016.
AO. Fundos da UE para a incineração nos Açores aprovados por comissão do POSEUR. Açoriano Oriental-AO. 11 fev. 2017.
BERENGUER, Márcio. Concurso para nova incineradora nos Açores está a ser investigado. Público. 3 jun. 2017.
CORREIO DOS AÇORES. Quercus apresenta nova queixa em Bruxelas contra incineradora nos Açores. Correio dos Açores, 11 jul. 2013.
ESQUERDA.NET. Opção pela incineração nos Açores não teve em conta saúde pública. Esquerda Net, 6 de abril de 2014.
LIMA, António. Contestação à construção de uma incineradora de resíduos em São Miguel - perguntas e respostas. Esquerda.net. 28 fev. 2017.
LUSA. Incineradora só avança em São Miguel se for construída hídrica reversível. Açoriano Oriental-AO. 23 nov. 2016.
LUSA. Manifesto pede suspensão do processo de construção incineradora em São Miguel. Açoriano Oriental-AO. 19 jan. 2017.
LUSA. Açores registram redução de resíduos enviados para aterro em 2016. Açoriano Oriental-AO. 17 mai. 2017.
LUSA. Incineração vai avançar em São Miguel com parceria pública ou privada. Açoriano Oriental, 18 nov. 2013.
LUSA. Municípios de São Miguel avançam com concurso para incineração de resíduos. Jornal Açores 9, 5 nov. 2014a
LUSA. Incineradora de São Miguel produzirá 10% da energia consumida na ilha em 2018. Visão, 7 nov. 2014b.
MONIZ, Manuel. Incineração enfiada no plano sobre gestão de resíduos dos Açores. Ambiente Diário dos Açores, 5 mar. 2014.
PEV. Os Verdes contestam a construção de incineradora em São Miguel e reafirmam a sua oposição a este método de tratamento de resíduos. Comunicado Partido Ecologista Os Verdes-PEV, 7 nov. 2014.
RTP. AMISM anula concurso para incineradora em São Miguel. Antena 1 Açores, 8 abr. 2014.
30 jun. 2017.
INFORMAÇÕES GERAIS
Duração: 2003 -
Região: Açores
Distrito: Açores
Localização: Ilha Terceira
Grau de intensidade: 3/5
GPS: 37.7808, -25.5036
RESUMO
O plano de gestão de resíduos sólidos urbanos dos Açores prevê a construção de duas incineradoras na região: uma na ilha de São Miguel e outra na ilha da Terceira, esta última, aliás, em construção desde 2014. A decisão da sua construção têm vindo a ser contestada por associações ambientalistas e partidos políticos.

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