Barragens no Vouga submergem famílias, património arqueológico e sobreiros
A barragem de Ribeiradio começou a ser estudada nos anos 1970. No final da década de 1990, é realizado o projeto de execução com procedimento de avaliação ambiental. A ordem de construção ainda ocorreu no início da década de 2000, mas foi interrompida por razões processuais e técnicas. Quanto ao Programa Nacional de Barragens com Elevado Potencial Hidroelétrico-PNBEPH, de 2007, este continha efetivamente um único aproveitamento previsto para a cascata do rio Vouga, e que era a barragem de Pinhosão, que entretanto não foi aprovada pelo governo, por não ter recebido nenhuma candidatura. Terá sido esta situação que voltou a colocar na agenda do PNBEPH o empreendimento do Ribeiradio. A utilidade do empreendimento foi ressaltada não só pelo papel na produção de energia, mas também por poder a vir apoiar outros problemas identificados na bacia do Vouga relacionados ao controlo dos efeitos das cheias, e à existência de aprovisionamento de água (EDP e MARTIFER, 2008).
O Aproveitamento Hidroelétrico de Ribeiradio-Ermida-AHRE é composto por duas barragens: a montante, a barragem de maior dimensão, Ribeiradio e, a jusante, a Ermida, de menor dimensão, assim como as respetivas centrais de produção de energia elétrica. É esta arquitetura de equipamento que permite que o contra embalse (Barragem de Ermida) seja tornado reversível (bombar novamente a água para Ribeiradio) e uma parceria com a energia eólica para viabilizar o processo.
O período de 50 anos da concessão deste duo de barragens está sob a responsabilidade da Greenvouga, empresa detida pela EDP (97,33%) e pela Martifer Renewables (2,67%). A obra iniciada em 2010 tem associado um investimento de cerca de 214 milhões de euros, e a entrada em serviço está prevista para 2015. Apresentará uma potência de 81 MW e uma produção média anual de 139 GWh (EDP, 2014). De notar que o investimento que, nos anos 2000 - quando a construção foi interrompida -, era público (Instituto da Água-INAG), passa a ser privado (COSTA, 2009).
A construção do empreendimento foi acompanhada por várias polémicas, dentre as quais o próprio atraso da obra cuja empresa atribui à demora necessária para as expropriações dos terrenos naquela zona, que por serem uma grande quantidade de pequenas parcelas de terrenos "complicou o processo de compra" (SILVA, 2012). Partidos políticos, associações ambientalistas e de defesa do património mobilizaram esforços no sentido de tornar pública a ideia de impacte irreversível deste empreendimento para o território e para a população. O processo envolveu expropriação de terras, como é o caso relatado por um casal morador numa das freguesias afetadas há mais de 30 anos, que viu a sua casa expropriada. Em 2014 o empreendimento oferece a este casal a opção de uma nova habitação no Barreiro, freguesia de Valadares (São Pedro do Sul), a habitação alternativa encontrava-se também em atraso na sua conclusão (BEIRA VOUGA, 2014). O Partido Ecologista Os Verdes-PEV dirige em 2012, na Assembleia da República, uma pergunta ao Governo, através do Ministério da Economia, sobre a interrupção da ligação entre a estrada nacional EN 333-3 e a povoação de Barreiro (São Pedro do Sul). Na área a submergir encontra-se, na extinta freguesia de Sejães, a Ponte Luiz Bandeira, construída em 1907, considerada a ponte mais antiga de betão armado em utilização em Portugal e uma das mais antigas da Europa. A defesa da ponte mereceu uma grande mobilização da população e da Junta de Freguesia. Foi apresentado um abaixo-assinado, para que a EDP Produção (gestora do projeto) restabeleça a ligação de forma a servir as pessoas de Barreiro e da freguesia de Valadares (SILVA, 2012). A Associação de Arqueólogos Portugueses-AAP também intervém para defender os achados arqueológicos paleolíticos, distribuídos por mais de 3.000 metros quadrados, e encontrados durante a construção do AHRE. A AAP reconheceu ser "um acampamento, que se estima que tenha entre três e cinco mil metros quadrados, dos últimos grupos de caçadores recoletores do paleolítico. Foi habitado pelos mesmos povos que fizeram as gravuras de Foz Côa". Esta associação aponta ainda para a falta de estudos arqueológicos na Avaliação de Impacte Ambiental. A Direção-Geral do Património Cultural, que acompanha o processo da construção da Barragem de Ribeiradio, defendeu a originalidade dos achados e admitiu que escaparam ao Estudo de Impacte Ambiental do projeto (COSTA, 2014).
Em 2013, o despacho governamental argumenta a utilidade pública do empreendimento, que viabiliza o abate de cerca de 3.200 sobreiros em cerca de 11 hectares na zona abrangida pela obra, entre Sever do Vouga e Oliveira de Frades. No despacho, o governo tem em consideração o "relevante interesse público, económico e social da obra, bem como a sua sustentabilidade" (AGÊNCIA LUSA, 2013). Nesta declaração é ignorado o abate dos sobreiros, que como recorda a Associação Nacional de Conservação da Natureza-Quercus, constitui um símbolo nacional classificado pela Assembleia da República. O sobreiro corresponde a uma espécie protegida, cujo abate só é permitido quando não há alternativa e no caso da construção da barragem de Ribeiradio-Ermida não havia sido feito um estudo de alternativas para a localização da mesma (AGÊNCIA LUSA, 2013).
Em 31 de maio de 2016 o Partido Ecologista Os Verdes-PEV questionou o não cumprimento pela EDP da Declaração de Impacte Ambiental Favorável Condicionada do Aproveitamento Hidroelétrico da Ribeiradio-Ermida e requereu à Agência Portuguesa do Ambiente-APA documentos técnicos. A população queixa-se da falta de acessibilidades causada pela obra e adulteração de percursos definidos no EIA (ROMÃO, 2016).
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
AGÊNCIA LUSA. Autarcas surpreendidos com número de sobreiros a abater para nova barragem. Visão Verde, 26 fev. 2013.
BEIRA VOUGA. Barragem de Ribeiradio/Ermida dá lugar a um novo rio Vouga. Jornal Beira Vouga, 4 de nov. 2014.
COSTA, João P. Barragens de Ribeiradio Ermida concluídas em 2013. Jornal de Notícias, 21 fev. 2009.
COSTA, Maria João. Barragem ameaça achados arqueológicos com mais de 10 mil anos. Rádio Renascença, 27 ago. 2014.
EDP. Barragem do Ribeiradio Ermida, site da EDP, jun. 2014.
EDP; MARTIFER. Aproveitamento hidroeléctrico de Ribeiradio Ermida - estudo de impacte ambiental. v. II, COBA - Consultores de Engenharia e Ambiente, jul. 2008.
PEV. Intervenção de Manuela Cunha. Comício CDU, Braga, 22 mai. 2014.
ROMÃO, João. Verdes pedem documentos sobre aproveitamento hidroelétrico de Ribeiradio-Ermida. Lafões fm. 31 mai. 2016.
SILVA, José M. Server do Vouga: barragem de Ribeiradio pronta em 2014. Diário de Aveiro, 2 mai. 2012.
30 de junho de 2016
INFORMAÇÕES GERAIS
Duração: 2009 - 2014
Região: Centro
Distrito: Viseu
Localização: Rio Vouga
Grau de intensidade: 4/5
GPS: 40.7424, -8.3194
RESUMO
Trinta anos após o primeiro estudo sobre a localização de uma nova barragem na bacia do Vouga, a construção do aproveitamento hidroelétrico Ribeiradio/Ermida é aprovada em 2009. Esta envolveu abate de espécies protegidas, destruição de património cultural e famílias desalojadas.

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