Protestos contra licenciamento e exploração de pedreira em Tavira
Em 2000, registou-se a primeira tentativa de licenciamento de uma pedreira localizada em Cerro do Leiria, a sul da freguesia de Santa Catarina da Fonte do Bispo, no concelho de Tavira. Era um projeto da empresa Tecnovia previsto para a exploração de 100 hectares, mas o licenciamento foi recusado pelo governo já que a propriedade estava classificada como parte integrante da Reserva Ecológica Nacional-REN (AGÊNCIA LUSA, 2010; ROSAM, 2014).
Nove anos depois, a empresa volta a tentar obter a licença necessária para operar. Nesse mesmo ano, reativou-se o grupo de defesa do ambiente, Pró-Barrocal Algarvio-Probaal, para contestar este projeto. Uma petição que foi enviada ao Ministro do Ambiente, do Ordenamento do Território e do Desenvolvimento Regional-MAOT, reuniu milhares de assinaturas. Nessa petição eram apontados como aspetos negativos do projeto a destruição dos caminhos que permitiam o acesso às propriedades adjacentes, o prejuízo causado por poeiras e ruídos às populações locais, a desvalorização das propriedades devido à destruição da paisagem típica do Barrocal, bem conservada até então, e a contaminação das águas subterrâneas, com repercussões negativas em novos investimentos na localidade (ROSAM, 2010). No seguimento desta iniciativa, realizou-se um estudo técnico pelo Instituto Geológico e Mineiro-IGM que sugeriu à empresa interessada que diminuísse o tamanho da área requerida para licenciamento (VIEGAS, 2010; PORTUGAL NEWS, 2014).
Partindo das informações disponíveis no estudo, realizado pelo IGM, o Probaal desenvolveu novos argumentos contra o projeto, alertando para que a propriedade onde se localizaria a pedreira alberga o aquífero Peral-Moncarapacho. Este é o maior aquífero do Algarve, localizado entre o Cerro dos Penedos Altos e os Arrifes, cujas reservas de água abrangem as zonas de Moncarapacho, Olhão e Luz de Tavira (VIEGAS, 2010). O aquífero localiza-se a 20 metros de profundidade apenas, pelo que extrair minerais a 10 metros da superfície já contaminaria as águas subterrâneas. Estava assim comprometida a qualidade da água dos poços utilizados para consumo doméstico e para a atividade agrícola (MCGREGOR, 2014). A proteção à qualidade dos recursos hídricos subterrâneos está prevista e classificada como sendo de interesse estratégico pela Lei n. 166/2008, de 22 de agosto.
Acresce ainda, que o Algarve é a região portuguesa de mais baixa precipitação e que sofre de uma enorme pressão sobre os aquíferos, devido ao turismo sazonal, à agricultura intensiva e aos campos de golfe. Para além do problema da ameaça às reservas de água, a 330 metros da proposta da pedreira localizam-se as Grutas dos Arrifes, onde existem espécies de morcegos em vias de extinção (VIEGAS, 2010).
A Associação de Defesa do Património Cultural e Ambiental do Algarve-ALMARGEM reforçara a ideia de que se tratava de uma zona de infiltração máxima de águas (VIEGAS, 2010).
Em 2009, a Probaal organiza uma manifestação, reunindo, a 5 de março, cerca de 20 moradores de Santa Catarina diante da Câmara Municipal de Tavira com o objetivo de chamar a atenção da opinião pública para o problema, o que viriam a conseguir até junto da comunidade estrangeira residente. Muitos deles ingleses, com interesses no mercado imobiliário (venda de propriedades a turistas estrangeiros), e ainda nas atividades de um grupo internacional ligado à construção e obras públicas.
Não tendo sido recebidos pelo presidente da Câmara, os manifestantes deixaram pedras à porta da autarquia, num gesto simbólico de protesto contra a exploração da pedreira (PORTUGAL NEWS, 2009). Entretanto, apesar da oposição da população local, o licenciamento da atividade foi obtido pela empresa Tecnovia a 21 de julho de 2009, com o apoio dos autarcas do município.
A empresa Tecnovia foi acusada pelos cidadãos locais de, juntamente com órgãos municipais, ter utilizado estratégias para contornar a legislação e obter a licença de exploração da pedreira. O primeiro pedido de licenciamento foi retirado e, logo depois, reapresentado sob a forma de dois licenciamentos para duas pedreiras "distintas", com 4,9 hectares cada uma, ou seja, requerendo licença para uma área muito mais reduzida quando comparada com os 100 hectares previstos inicialmente. Neste contexto, ao Decreto-Lei n.º 340/2007. de 12 de outubro. transfere a competência do licenciamento para o âmbito municipal no caso de se tratar de pedidos de exploração pedreiras numa área até ao limite de 5 hectares, dispensando ainda a realização de Estudo de Impacte Ambiental-EIA. Em segundo lugar, os autarcas aprovaram alterações ao Plano Diretor Municipal-PDM de Tavira para permitir a atividade de extração mineral, em 2007, de forma coincidente com o território a licenciar. Assim, a área solicitada pela empresa deixava de estar no âmbito da REN, levantando-se a proibição e as restrições às atividades económicas. Note-se ainda que a licença foi emitida três meses antes do final do mandato dos vereadores (ROSAM, 2014; REVEZ, 2010).
Os trabalhos de exploração da pedreira começaram logo após as eleições autárquicas. Segundo relatos de cidadãos, o equipamento de extração chegou ao local sem que tivesse existido um processo de consulta pública prévio, um argumento que a Câmara de Tavira refuta, alegando que as mesmas ocorreram durante o debate relativo às alterações do PDM (AGÊNCIA LUSA, 2010; MCGREGOR, 2014).
Três meses após o início das atividades de extração mineral da pedreira pela Tecnovia, em 2009, dois casais residentes na freguesia de Santa Catarina da Fonte do Bispo, entraram com um processo judicial no Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé-TAFL, solicitando a suspensão do licenciamento com base na ilegalidade flagrante dos vários artifícios utilizados pela empresa e pelos autarcas para instruir e fazer aprovar o pedido, requerendo a sua nulidade. Em setembro desse ano, o tribunal decidiu pela nulidade da licença e exigiu a imediata suspensão da exploração da pedreira. O município comprometeu-se a apreender e a selar toda a maquinaria, os utensílios e equipamentos existentes na exploração, caso a decisão judicial não viesse a ser cumprida pela Tecnovia. A empresa cumpriu a ordem judicial, suspendeu a exploração e retirou todos os equipamentos, deixando, porém, a área desmatada, sem nenhuma recuperação ambiental. A população reivindica até hoje a recuperação da área por parte da empresa (REVEZ, 2010; VISÃO, 2010; ROSAM, 2014).
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
AGÊNCIA LUSA. Tavira: pedreira deixa zona sensível descaracterizada sem maquinaria após ser encerrada por ordem judicial. Visão, 8 dez. 2010.
MCGREGOR, Amanda. Destruição do lençol freático de Peral/Moncarapacho. Site Pró-Barrocal Algarvio-Probaal, 2014.
PORTUGAL NEWS. Moradores organizam protesto para travar pedreira controversa. Site Pró-Barrocal Algarvio-Probaal, jun. 2014.
REVEZ, Idálio. Tribunal trava exploração de pedreira em Tavira. Público, 2 out. 2010.
ROSAM, Ian. A que está autorizada a Tecnovia? Site Pró-Barrocal Algarvio-Probaal, jul. 2014.
VIEGAS, Domingos. População da serra de Tavira protesta contra instalação de pedreira. Expresso, 11 mar. 2010.
VISÃO. Tavira: Pedreira deixa zona sensível descaracterizada em sem maquinaria após ser encerrada por ordem judicial, 8 dez. 2010.
30 de junho de 2016
INFORMAÇÕES GERAIS
Duração: 2009 - 2010
Região: Algarve
Distrito: Faro
Localização: Tavira
Grau de intensidade: 4/5
GPS: 37.127936, -7.647561
RESUMO
População da freguesia de Santa Catarina da Fonte do Bispo, no concelho de Tavira, une-se a associações ambientalistas contra uma nova tentativa, em 2009, por parte da empresa Tecnovia, de aprovar o projeto de instalação de uma pedreira em Cerro do Leiria, cujo pedido de licenciamento tinha sido chumbado em 2000. Em causa estava a conservação do maior aquífero Algarvio-Peral-Moncarapacho - e a qualidade de vida da população local. Apesar de a empresa ter conseguido obter o licenciamento de exploração, o mesmo foi cancelado logo após decisão judicial.

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